José Antonio Tenuta, ou Zeca Tenuta, imortalizou de forma brilhante as nuances de Cuiabá em sua célebre obra Cuiabá da Tchapa e da Cruz, na qual se detém nas figuras mais emblemáticas da cidade. Entre essas personagens, destaca-se a de Pó Dexá, uma figura singular que transitava pelas ruas da velha Cuiabá, imerso em uma rotina simples e pragmática, típica dos que buscavam o sustento nas pequenas lides cotidianas. Pó Dexá, homem de boa índole, dedicava-se ao comércio ambulante de bilhetes de loteria e outros biscates, e sua presença, discreta porém constante, não chamava muita atenção à primeira vista. Contudo, foi quando se tornou porteiro de um dos mais notórios cabarés da cidade, o Nove de Julho, que seu nome ficou definitivamente gravado na memória coletiva.
O Nove de Julho era mais que uma boate; era um refúgio para os amantes da boemia cuiabana, um templo de excessos onde o tempo parecia se distorcer. Abriu suas portas ao longo de toda a jornada, oferecendo abrigo e diversão àqueles que buscavam refúgio nos seus ritmos frenéticos e nas suas luzes baixas. O fluxo constante de frequentadores, muitos deles oriundos dos recantos mais humildes da cidade, criava uma atmosfera de cumplicidade e mistério. As mulheres, cujas histórias e vidas se entrelaçavam com o lugar, já conheciam o ritmo da casa: os minutos pareciam se arrastar até o retorno dos frequentadores assíduos, e cada hora era uma nova promessa de histórias e encontros.
Pó Dexá, no entanto, não era um simples porteiro. Sua inteligência sutil e seu jeitinho habilidoso para lidar com as situações cotidianas logo lhe conferiram uma certa notoriedade. Quando um cliente se aproximava, aparentemente sem recursos para pagar pela entrada, o bom porteiro, sem perder a compostura, soltava sempre a mesma resposta: “Pó dexá”, liberando a passagem sem hesitação. Sua frase, simples na forma mas carregada de uma conotação profunda de aceitação e generosidade, tornava-se um código, uma espécie de senha que permitia ao pobre coitado, ou mesmo ao cliente mais avesso ao pagamento, adentrar no recinto sem maiores complicações.
Tal comportamento, claro, não passou despercebido pelos donos da casa, que logo perceberam o método não muito ortodoxo de Pó Dexá. Sua demissão foi inevitável, mas o personagem, com sua simpatia disfarçada de despretensão, deixou uma marca indelével nas memórias dos que frequentavam o Nove de Julho. Sua figura, como a de muitos outros ícones da cidade, representa a espinha dorsal de uma Cuiabá mais simples, mais humana e, por vezes, mais cúmplice das fraquezas e fraudes cotidianas que permeiam a vida na cidade.
Mesmo após sua saída do cabaré, a lembrança de Pó Dexá se manteve viva nos relatos de quem o conheceu, sendo transmitida por gerações. Ele não era apenas um porteiro; era um símbolo de um tempo onde a cidade, com seus vícios e virtudes, se desenrolava de uma forma única, onde as histórias e os personagens se misturavam, criando um tecido social vibrante e, ao mesmo tempo, efêmero. Pó Dexá é, até hoje, uma figura emblemática na memória de Cuiabá, um lembrete de que, no fundo, todos nós precisamos de um pouco de indulgência, uma chance a mais, um “Pó dexá” para seguir em frente.