Entrevistada alerta que 68% dos crimes ocorrem na residência das vítimas

“A agressão física, a violência ou o abuso sexual de crianças e adolescentes normalmente ocorrem dentro de casa. 68,3% dos crimes acontecem na residência da vítima e 86,1% dos agressores são pessoas conhecidas por elas também. O perigo está dentro da própria casa”, alertou a juíza Gleide Bispo Santos, durante entrevista à Rádio CBN (95,9 FM), na manhã desta quarta-feira (22). A magistrada, titular da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, foi a convidada da semana para a entrevista da Campanha Estadual de Enfrentamento e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantojuvenil, promovida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso.

Gleide Bispo Santos falou sobre a atuação do Poder Judiciário na defesa das crianças e adolescentes vítimas de violência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o trabalho em rede e a parceria com o MPMT. Ela explicou que a 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá atua nas medidas protetivas. “Trabalho com a proteção de crianças e adolescentes que são vítimas e estão em situação de risco por alguma negligência, omissão, maus tratos, abuso sexual ou até mesmo que necessitam de assistência em saúde. Estamos ali para atendê-los da melhor forma possível, em parceria constante com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Inclusive atuamos dentro de um mesmo complexo, chamado Pomeri”, contou.

Conforme a entrevistada, infelizmente a violência física está muito presente no dia a dia de crianças e adolescentes. “Ainda persiste a ideia de que a educação tem que vir por meio da correção física. O ideal seria que tivéssemos campanhas de conscientização permanentes voltadas para esse público, sobre seus direitos, para conscientizar crianças e adolescentes de que são sujeitos de direitos e que não podem apanhar ou sofrer qualquer tipo de violação. Prepará-los para conseguir reprimir a violência ao primeiro sinal”, defendeu.

A juíza relatou casos de violência física e tortura que ocorrem com frequência. “Crianças que apanham de chicote de cavalo, que são vítimas de queimaduras de cigarro. Tivemos recentemente um menino com a parte íntima amarrada em razão de fazer xixi na cama. Nos deparamos com as mais diversas violações de direitos. Às vezes penso que já vi de tudo e naquele dia aparece alguma coisa nova que nos deixa entristecidos. As crianças estão à mercê e precisamos mudar esse tratamento”, consignou.

Segundo ela, houve um avanço significativo com a entrada em vigor do ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que reconheceu a criança e o adolescente como sujeitos de direito. “O ECA é uma lei moderna e humanizada. Muitas vezes mal interpretada pelas pessoas. Defendo que o caminho para toda melhoria da sociedade brasileira é esse empoderamento das crianças e adolescentes. Precisamos investir nas crianças de 0 a 6 anos (1º infância) e também de 7 a 12 anos para que tenhamos um país melhor”, argumentou.

Conforme Gleide Bispo Santos, a sociedade saiu de um modelo de educação por meio da correção física para um modelo de olhar mais humanizado e muitos pais não tiveram tempo para compreender essa transição com o advento do ECA. “Para auxiliarmos nisso, estamos implantando dentro da 1ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá um projeto chamado Escola de Pais. Vamos preparar toda a equipe técnica para que, ao ser ajuizada a ação, automaticamente os pais sejam encaminhados para a escola, onde serão capacitados para o exercício da maternidade e paternidade responsável”, explicou.

A entrevistada reforçou que existe um protocolo para atendimento a crianças e adolescentes em situação de violência elaborado pela Rede Protege, uma articulação intersetorial das instituições, serviços, programas, equipamentos e unidades de atendimento à infância e adolescência na capital. Pontuou que a porta de entrada das denúncias é o Conselho Tutelar, o Disque 100 ou as delegacias. “Registrado o boletim de ocorrência, automaticamente o Ministério Público assume o polo ativo da ação e passa a defender os interesses daquela criança ou adolescente”, citou.

“Quando registrado o boletim de ocorrência, ele vem pra mim no mesmo dia já com o pedido de medidas protetivas, o que normalmente inclui o pedido de afastamento do agressor. Imediatamente faço a análise da necessidade de aplicação das medidas. Concedida a medida liminar, marco uma audiência para ouvir a vítima e advertir o agressor no prazo máximo de 15 dias, para que a criança e ou o adolescente saibam que estão assistidos, bem como advertir o agressor a respeito das implicações no caso de descumprimento”, acrescentou.

Gleide esclareceu que quando as crianças em situação de risco precisam ser afastadas do lar e não há possibilidade de retorno imediato para a família biológica (pai e mãe) ou família extensa (avós e tios), são levadas para o acolhimento institucional em uma das oito casas lares da capital, divididas por faixa etária. Frisou que Cuiabá é referência em termos de casas lares e lembrou que essa modalidade de acolhimento é resultado do trabalho do MPMT, instituída graças a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado com o Município. “Estamos agora caminhando para a instalação da modalidade de família acolhedora, também com a participação do MPMT na construção dessas melhorias”, declarou.

De acordo com a juíza, atualmente existem 115 crianças e adolescentes acolhidos na capital, sendo poucos aptos para adoção. “Ficamos com a criança ou o adolescente acolhido por 90 dias na casa lar, tempo necessário para reintegração familiar. Esse prazo é prorrogável por mais 90 dias. A volta para as famílias é sempre a prioridade, mesmo tendo ocorrido a violação do direito, vamos procurar sanar esse problema e promover o retorno para o seio familiar. Não havendo essa possibilidade, é que a criança ou o adolescente vai para a adoção. Isso ocorre cerca de 6 meses após o acolhimento”, disse.

A entrevistada ainda declarou que embora o ECA estabeleça a prioridade absoluta de crianças e adolescentes, infelizmente isso não ocorre na prática. “Mas, em Cuiabá, onde jurisdiciono, o Ministério Público é bastante atuante. Naquilo que falha o poder público, automaticamente os promotores ingressam com ações civis públicas. Ainda temos muito por construir, mas estamos avançando, buscando sempre o diálogo com o executivo e o legislativo municipal e estadual para sensibilizá-los quanto à importância do investimento nas crianças e adolescentes”, ponderou.

Por fim, ressaltou que abuso e a violência sexual são devastadores para crianças e adolescentes. “A parte psicológica fica totalmente abalada. Se não houver uma assistência, as consequências são muito graves e drásticas. São comuns casos de automutilação, depressão e suicídio. Então é preciso uma atenção especial para esse acompanhamento psicológico. Precisamos inclusive de um centro de atendimento especializado para vítimas de abuso em Cuiabá. Temos que construir esse espaço para atendimento imediato”, declarou.

Assista à entrevista na íntegra aqui

Fonte: Ministério Público MT – MT

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