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A empregada, a mulher e o homem domesticado

 Há duas semanas esta coluna tratou da empregada doméstica e recebemos uma dúzia de telefonemas de solidariedade e outra de raivosos protestos. Aí aconteceu o que eu não sabia: as empregadas são solidárias entre si e mantêm uma fraternidade interessante em defesa mútua.

Alguns dos telefonemas não foram muito delicados e nem muito inteligentes.  Mas tudo foi muito bom porque enriqueci terrivelmente o meu folclore sobre empregadas domésticas.  Por outro lado, me desiludi profundamente com elas e com as patroas.  Acabei por descobrir que a empregada virou o bicho que virou por culpa da patroa.  Agora ninguém mais reverte o processo.

Vou tentar ilustrar a coisa.  Esta semana eu li numa revista um depoimento muito ilustrativo.  Duas amigas se encontraram, ambas na faixa dos 30 anos, ex-colegas de ginásio.  Uma se casou e descasou, a outra ainda se mantinha casada, mas mantendo o perfil “da mulher dos anos 60”, na qualificação da primeira. E esta admite uma profunda admiração pela “mulher à la anos 60”, ali, fiel, determinada, educando os filhos, esperando o marido, fazendo bolo, almoço e visitando a mamãe nos fins de semana.

Esta mulher dos anos 60 está em extinção.  Uma outra ainda existe aqui e ali, prensada entre as pressões feministas pela sua modernização, e o desejo meio contido de ser apenas mulher, como eram as mulheres nos anos 60.  Foi naqueles anos tumultuados que elas aboliram a virgindade como dever de ofício, adotaram a pílula anticoncepcional e queimaram os sutiãs em praça pública, simbolizando seu protesto “contra a escravidão secular da mulher”.

Nos anos 70 a mulher invadiu as universidades, o mercado de trabalho e instigadas por uma líder americana, Betty Friedam, inventaram o feminismo.  “Homem, nunca mais”, chegavam a dizer.  Depois aos poucos foram descobrindo que homem não é um bicho tão mau e nem tão perigoso.  Pode até ser domado, e com aquela terrível determinação feminina, elas domaram o homem.  Nunca mais o homem foi o mesmo. Passou a freqüentar a cozinha e tornaram até ótimos cozinheiros bisextos.

Alguns admitiram sua inferioridade intelectual em relação à sua mulher (que antes era compensada pela força física), e já vão à escola buscar e levar os filhos, trocam fraldas, dão banho, dão papinha na boca do neném, fazem comida, lavam a louça e arriscam até a lavar umas pecinhas de roupa.  Diferente da mulher mesmo nem a roupa mais.  Só à noite na cama se verifica a diferença, se ânimo ainda permitir.

Esse conflito de espaços mudou profundamente o comportamento social do homem e da mulher.  O homem desceu do pedestal da força física e da supremacia de inteligência que reivindicava para si. A mulher disparou na economia, trouxe métodos novos e provocou grandes trapalhadas técnicas com o chamado sexto sentido (que elas realmente têm), e associaram outra qualidade terrível, a intuição, para desestruturar os pobres homens que enxergam pouco além do nariz, aquilo que não podem tocar.

A premonição feminina arrasou com a competência masculina naqueles lances quando acabava o argumento e resolvia as coisas daquele jeito: “faz porque estou mandando”.  Ela saca do bolso (antes era de dentro do sutiã, que não usa mais ou só quando acha que deve ou quer), uma contraproposta e defende à morte seu ponto de vista.  Ela -vence sempre.

Essa mulher dos anos 80 que em menos de 20 anos saiu da caverna doméstica e conquistou a planície dos mercados sociais e econômicos, também acaba dona de casa, muito mais por acaso do que por convicção. Às vezes, por um certo comodismo.  Mas nunca mais por imposição do pai ou da sociedade.  Por opção, como querem elas.

Como, para elas, fazer um bolo, cozinhar e até a simplória tarefa de passar um café se tornaram profundos mistérios, só um ser genial consegue realizar nesse mundo moderno, complexo, difícil e especializado: a fabulosa, a maravilhosa, a competente empregada doméstica.

Aí caímos na antiquíssima lei da oferta e da procura.  Ou da competição, como quiseram.  A competência que falta à patroa para administrar sua casa, sobra a essa maravilha de memória da espécie humana que ainda guarda traços de tarefas primitivas como gerir os serviços de uma casa.

Daí para ela se tornar o que se tornou, e claro, foi um pulo.

Voltaremos ao assunto.  Da empregada, da mulher moderna e desse pobre e absoleto animal domesticado e dominado, chamado homem.

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A empregada, a mulher e o homem domesticado

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