Nas margens do Rio Cuiabá, entre barrancos altos e vegetação espessa, corre uma lenda temida por pescadores e ribeirinhos da Baixada Cuiabana: a da Mão Negra, uma criatura misteriosa que ronda os que se atrevem a pescar em dias santos.
Conta-se que, sob um grande barranco, morava outrora uma idosa muito doente e reclusa. Solitária e miserável, era vista por alguns como uma bruxa — e por outros, como uma alma atormentada. Incapaz de pescar por conta própria, dizem que ela roubava os peixes dos cestos alheios, sempre à noite, quando ninguém via. Mas o mais assustador é o que os antigos juram: quando saía para roubar, ela se transformava numa enorme mão negra, de dedos longos e pegajosos, que emergia das águas como se tivesse vontade própria.
Nas manhãs seguintes, os pescadores mais distraídos encontravam suas cestas vazias — e um estranho rastro úmido, como se algo tivesse arrastado os peixes para dentro do rio.
Um certo feriado, um jovem pescador, confiante e debochado, decidiu que era hora de provar que tudo aquilo era lorota. Ria das histórias dos mais velhos e dizia que não se deixaria intimidar por “assombração de velha”. Armou seu equipamento e, ainda ao amanhecer, subiu o barranco com a intenção de passar o dia e a noite pescando.
Logo cedo, os peixes começaram a fisgar. De todos os tamanhos, enchiam sua cesta a olhos vistos. Ao meio-dia, satisfeito, decidiu fazer uma pausa para almoçar. Antes, porém, quis conferir sua colheita — e ali, no fundo do cesto, não havia mais peixe algum.
Desconcertado, virou-se para juntar suas coisas e partir. Foi então que a viu: uma imensa mão negra, viscosa e de aspecto monstruoso, surgindo das águas barrentas, tateando à beira do rio como se procurasse algo — ou alguém.
O rapaz ficou paralisado. Em pânico, tentou fugir, mas tropeçou num emaranhado de cipós e caiu, preso e aos gritos. Só não foi levado porque outro pescador, que passava mais adiante, ouviu os gritos e correu em seu socorro.
De volta à cidade, o jovem mal conseguia falar. Estava pálido, trêmulo, e repetia sem parar:
— “Ela existe… a mão negra… ela pegou meus peixes… ela ia me levar…”
Desde então, poucos se atrevem a pescar naquele barranco, especialmente em dias santos. Pois dizem que, quando a fome do espírito é grande, a Mão Negra volta a emergir, em busca de quem desrespeita a tranquilidade das águas sagradas.