Na manhã desta quarta-feira (13 de março), a Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT) promoveu um rico debate sobre a política de prevenção e enfrentamento do assédio moral, sexual e discriminação, conduzido pela juíza Luciene Kelly Marciano Roos, do Poder Judiciário de Mato Grosso, e pela juíza federal da Justiça Militar Mariana Aquino Queiroz, lotada na 1ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar no Rio de Janeiro.
A abertura do evento contou com a participação do desembargador Mário Roberto Kono de Oliveira, membro do Conselho Consultivo da Esmagis-MT, e da juíza Henriqueta Fernanda Chaves Alencar Ferreira Lima, titular da Quarta Vara da Comarca de Cáceres e coordenadora do webinário.
O desembargador Mário Kono destacou que essa é uma nova oportunidade para discutir esses problemas sociais, que são seculares, tanto no Brasil quando no restante do mundo. “É a prevalência de uns em razão de suas condições financeiras, posição privilegiada em cargos e ocupações, que se utilizam dessas prerrogativas para humilhar, violentar psicologicamente, exigir, subjugar, mulheres e homens dentro desse contexto em que estão em situação de inferioridade”, assinalou.
Ele também destacou a importância da Resolução 518/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5242, que versa sobre a política de prevenção e enfrentamento do assédio moral, sexual e discriminação, criada com a finalidade de promover o trabalho digno, saudável, seguro e sustentável no âmbito do Judiciário.
“É preciso realmente fazer mudança de cultura, de comportamento, que, a meu ver, inicia-se desde a tenra idade, desde o núcleo familiar. Precisa haver uma mudança na formação do ser humano, dos homens e mulheres. Desejo que aproveitem bastante esse webinário, tenho certeza do sucesso que será e que realmente possa lançar sementes que irão se frutificar, visando a evolução da humanidade através dessa mudança de comportamento”, assinalou Mário Kono.
Já a juíza Henriqueta Ferreira assinalou que este mês de março não é uma data apenas de comemoração, mas sim de reflexão. “Precisamos fazer uma análise crítica de todo esse processo de luta desse grupo hipervulnerável, que são as mulheres. Os dados são alarmantes, os números impressionam não só na esfera privada como na pública”, apontou. Segundo ela, levantamento do CNJ de 2021 aponta que, dentre 15 mil pessoas entrevistas, 55,7% informaram já terem sido vítima de assédio e discriminação, sendo o assédio moral o mais praticado (77%).
Conceitos – A primeira palestrante do dia foi a juíza Luciene Roos, integrante da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual do Primeiro Grau de Jurisdição, que apresentou o conceito de assédio moral, sexual e discriminação.
Segundo explicou, assédio moral é um processo contínuo – não um ato isolado – e reiterado de condutas abusivas que atentam contra a dignidade, a identidade e a integridade da pessoa, com ou sem intencionalidade. “O assédio moral demanda a repetição, a continuidade dessa violência, dessa conduta abusiva. Ele desestabiliza emocional e profissionalmente a pessoa, afeta a autoestima, a autodeterminação”, observou.
Já assédio sexual seria o ato de constranger alguém, prevalecendo-se o agressor da sua condição de superioridade hierárquica ou de ascendência. “Essa condição de superioridade ou ascendência deriva do cargo, do emprego ou da função que é desempenhada pelo agressor, e tem como objetivo obter uma vantagem ou um favorecimento sexual.
“O que pode configurar o constrangimento? Seria o forçar, o pressionar a pessoa, obrigá-la a fazer algo que ela não quer. Qualquer cantada vai configurar o assédio sexual? Não. Primeiro que o tipo penal exige essa relação de subordinação ou de ascendência”, complementou.
Em relação à discriminação, Luciene explicou que ela envolve condutas que geram a distinção, diferenciação entre pessoas, em razão da raça. “Promovem a exclusão, a restrição ou mesmo preferências, não só a raça. Pode envolver a discriminação também a etnia, a cor, o gênero, a idade, a religião ou, nos dias atuais, a opinião política”.
“Qual que é a diferença do preconceito racial, da discriminação e do racismo? O preconceito é algo mais imaterial, ele está na ordem do que a gente pensa, da nossa cultura, que vem trazendo esse ambiente que a gente fala do racismo estrutural, que ao longo do tempo veio ocorrer. A discriminação, não, ela já é uma manifestação, é uma conduta que materializa esse preconceito, porque a pessoa pode ser preconceituosa, mas não cometer uma discriminação”, salientou. “O racismo é essa discriminação baseada na falsa ideia de que a nossa espécie humana é dividida em raças e uma é superior a outras.”
Exemplo – A juíza federal da Justiça Militar Mariana Aquino Queiroz aproveitou a oportunidade para apresentar os trabalhos que são desenvolvidos na comissão criada no âmbito da Justiça Militar, como um aplicativo em formato de um jogo que contém situações do dia a dia. “Para que o jogador, de uma maneira inteligente, consiga ir respondendo aquele jogo e, se responder da maneira correta, vai levar ao caminho correto, se
responder da maneira errada, ele mostra qual a legislação pertinente, qual o tipo de situação, se é assédio moral, se é assédio sexual, se é uma discriminação. Por exemplo, se for em impasse de questão de racismo, vai ter ali a lei de racismo, vai ter uma série de coisas, e é interessante porque, de uma maneira lúdica, ele ensina aquela pessoa que está jogando.”
Conforme a magistrada, esse jogo tem sido aplicado nas dinâmicas desenvolvidas pela comissão. “Nós temos aplicado também no projeto Roda de Conversa, e outros tribunais já têm pedido para firmar um termo de cooperação técnica justamente para poder utilizar esse jogo. É muito interessante porque o feedback que nós temos tido é bem positivo. Muitas pessoas têm dificuldade em enxergar quando uma situação pode ser considerada um assédio ou não, discriminação ou não”, destacou.
Na oportunidade, a magistrada discorreu ainda sobre a aplicação da Justiça Restaurativa, com a realização de um círculo específico para isso, para resolver problemas relacionados ao assédio. Falou do trabalho desenvolvido nas rodas de conversa, com a aplicação do jogo e a realização do círculo da Justiça Restaurativa.
“Temos uma cerimônia de abertura e aí nós explicamos as regras do círculo, e também trazemos dois vídeos. Um que aborda o racismo e um que aborda o assédio sexual (…). Depois de elas falarem como estão se sentindo, o que elas acharam daqueles vídeos, nós passamos para a contação de história, para as perguntas norteadoras e uma dinâmica de encerramento. A gente pode perceber dessas aplicações da roda de conversa que os servidores e as servidoras se sentem muito confortáveis para falar naquele ambiente. Eles se sentem acolhidos também pelo círculo e muitas vezes os próprios magistrados participam. É bem enriquecedora a prática”, afirmou.
Segundo Mariana, assédio não é ‘mimimi’ e nem é uma questão para a pessoa ‘aparecer’. “Que bom que agora as pessoas estão pensando em políticas púbicas dessa natureza, pensando em modelos de cada vez mais aperfeiçoar, falar sobre o assunto e ter medidas de prevenção e enfrentamento ao assédio moral, sexual e à discriminação.”
#ParaTodosVerem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Imagem 1: Print de tela colorida onde aparecem quatro pessoas dividindo a tela. Na parte superior esquerda, a juíza Luciene Ross, uma mulher de pele morena clara e cabelos pretos curtos, que veste roupa azul. À direita dela, o desembargador Mário Kono, um homem de origem asiática, com cabelos grisalhos, que aparece sorrindo. Na parte inferior esquerda, a juíza Mariana Aquino, uma mulher de pele branca, cabelos claros, que veste um blazer branco e sorri. À direita dela, a juíza Henriqueta Ferreira, uma mulher branca de cabelos castanhos compridos.
Lígia Saito
Assessoria de Comunicação
Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT)