O encerramento do Seminário “Justiça Restaurativa em Ação: Transformando Sistemas e Unindo Regiões” ocorreu nesta terça-feira (02 de julho), no auditório Gervásio Pereira Leite, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). O evento híbrido (presencial e on-line) foi realizado pelo Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa (NugJur) do TJMT e contou com quatro palestras em dois painéis, que abordaram a Justiça Restaurativa aplicada no âmbito da Justiça Criminal. O seminário foi realizado como parte das comemorações dos 150 Anos do TJMT.
O defensor público de Colíder, Maxuel Pereira Dias, falou sobre “O Potencial da Justiça Restaurativa para a Redução de Danos no Sistema Prisional” e o presidente da Central Única das Favelas (Cufa) de Caxias do Sul (RS), Amarildo Rubinei Moreira, abordou sua experiência com a Justiça Restaurativa, sendo ele egresso do sistema prisional. O painel teve como presidente a juíza da 3ª Vara Criminal da Comarca de Colíder, Paula Tathiana Pinheiro.
Maxuel Pereira Dias apresentou a situação do sistema carcerário brasileiro e afirmou que o atualmente o sistema faz com que os encarcerados percam sua personalidade, num processo chamado de “Mortificação do Eu”, agravado pela “Prisionização”, processo de assimilação da cultura e normas da prisão: a pessoa encarcerada perde sua própria identidade e absorve a cultura do cárcere com vocabulário próprio.
De acordo com o defensor, o objetivo da prisão é a ressocialização, mas o Estado brasileiro tem entregado dessocialização e com diversificação de crimes. Ele disse que é preciso tomar providências concretas para a redução de danos na execução penal.
“Enquanto a pena de prisão continuar existindo é preciso encontrar formas de diminuir danos ao encarceramento. A Justiça Restaurativa é um instrumento capaz de promover a redução dos danos na Justiça Criminal e do Sistema Prisional. Ela não é quantitativa, é qualitativa. Ela causa essa transformação porque promove o empoderamento. Essas pessoas que nunca foram ouvidas, nos Círculos de Construção de Paz, podem falar sobre seus sentimentos, sonhos e sua vida”, afirmou ele.
Para o defensor público, a Justiça Restaurativa produz mudança de vetores. Ela muda o paradigma da culpa e muda para a responsabilidade. A culpa é um sentimento imobilizante, a responsabilidade é instigante. Ele diz que é preciso pensar que a Justiça Restaurativa é uma forma de trazer para dentro do cárcere a comunicação não-violenta para reduzir danos e romper as fronteiras dos Círculos.
“Não basta fazer os Círculos, temos que pensar em providências que possam diminuir os danos do sistema penal, que passou por modificações, mas nenhuma delas foi de diminuição do poder punitivo. A Justiça Restaurativa é uma forma de contenção sob o paradigma da redução de danos. (…) E pensar na possibilidade de remição de pena para aqueles que participam dos Círculos, como acontece com quem trabalha, estuda ou lê. A pessoa está realizando uma atividade de reintegração à sociedade”, defendeu Maxuel.
Depoimento – O dia terminou com a participação e o depoimento do presidente da Cufa de Caxias do Sul (RS), Amarildo Rubinei Moreira, autor do livro “Poesia que liberta” e egresso do sistema prisional, em regime semi-aberto.
Ele contou sobre sua infância e como entrou para o mundo do crime aos 12 anos de idade. Foi condenado a 288 anos de prisão por ter cometido mais de 88 assaltos a banco e cumpriu 32 anos em regime fechado. Está no semi-aberto há oito anos. “Me tornei um dos homens mais procurados do Estado e um dos mais perigosos do Rio Grande do Sul. Nos primeiros dez anos, tive que me manter na postura de quem domina, na penitenciária de alta seguridade, até entender que eu mesmo podia transformar minha vida”, contou ele.
Ele trabalhou e estudou mais de 20 anos para conquistar a remição da pena. Concluiu o Ensino Fundamental e Médio dentro da penitenciária e temia o dia que em que finalmente conquistaria a remição e o direito ao regime semi-aberto por causa das portas fechadas, a discriminação e o desemprego.
“No semi-aberto, eu estava querendo reconstruir a vida. Chegou a Justiça Restaurativa em Caxias do Sul. Para mim foi um imenso farol apontando o caminho. Recuperei os meus valores, dignidade, de lá pra cá só venho evoluindo. Estou há oito anos trabalhando em prol do social e tive a honra de poder conhecer a Cufa e vestir essa camisa, que nos diz que não somos carentes, somos potentes e essas mãos que destruíram agora ajudam a construir. Através do meu trabalho, conseguimos chegar nas áreas mais remotas e levar assistência necessária às pessoas mais necessitadas”, contou ele.
Amarildo disse que está atuando na reconstrução do Estado, afetado pela mudança climática e pelas enchentes no começo do ano. Ele afirma que é necessário olhar para dentro do sistema prisional porque as pessoas que estão lá um dia sairão e é preciso preparar a chegada “desse pessoal” na sociedade. “Cumpri 30 anos e saí. Criei uma empresa que recebe os egressos. Estamos criando um projeto de recomeço e realmente, quem está saindo não quer mais voltar para a vida do crime. Temos 1.050 monitorados no semi-aberto, em Caxias. Todos trabalhando, vários em cargos de responsabilidade. Temos que dar atenção porque existem muitos Amarildos em Mato Grosso.”
Ele elogiou o trabalho do Poder Judiciário de Mato Grosso, que vem fomentando cada vez mais a realização dos Círculos de Construção de Paz nas escolas e que, por meio de Termos de Cooperação com as prefeituras, contribuiu para que a Justiça Restaurativa faça parte da legislação das cidades.
“Vamos sair daqui e fortalecer as escolas. A criminalidade se expandiu, onde o Estado não atua dentro do sistema prisional, o crime abraça. Eu recebi essa oportunidade, fui acolhido, não me julgaram pelo que fiz e pelos anos de pena que peguei. Fiquei muito tempo naquela situação. Mas, através dos Círculos, eu consegui me posicionar e da minha maneira consigo chegar nas palestras”, disse ele.
No Rio Grande do Sul, o projeto de remição de pena por meio dos Círculos de Paz está sendo implantado e, de acordo com Amarildo, Mato Grosso é um exemplo, um parâmetro a ser seguido. Ele sugeriu que “seria importante servidores serem os primeiros a passar por essa qualificação para trabalhar com as pessoas privadas de liberdade. Eles vão continuar com a rigidez necessária, mas terão outra visão dos problemas. Eu sou a prova viva que a Justiça Restaurativa é o caminho. Em mim foi feito um trabalho completo e vocês estão investindo certo porque dá resultado”, concluiu ele.
Participaram magistrados, em especial juízes (as) coordenadores (as) dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), responsáveis pela expansão da política de pacificação social e implementação da Justiça Restaurativa no interior do Estado, além de gestores municipais, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, representantes das secretarias municipais de educação e assistência social parceiras do Poder Judiciário, servidores das comarcas e membros de instituições parceiras.
O evento foi encerrado com apresentações culturais do rapper Chiquinho, que foi palestrante no primeiro dia do evento, e do grupo de danças Flor Ribeirinha.
#Paratodosverem. Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto1: a imagem mostra o auditório repleto de pessoas. No palco, estão três pessoas sentadas em cadeiras, uma mulher e dois homens. A presidente do painel, juíza Paula Tathiana, está sentada e falando para a plateia. Os dois homens olham para ela, um veste camiseta, calça e tênis escuros e o outro veste terno azul marinho, camisa branca e gravata vermelha. Ela está com um vestido cor vinho. Ao fundo estão as bandeiras de Mato Grosso, do Brasil e do município, nesta ordem. Ao fundo também se vê uma parede escura, de madeira, e um telão onde está projetada a imagem de um fósforo aceso e está escrito: O abismo, o fósforo e a ponte. Foto 2: a imagem mostra o defensor público Maxuel. Ele é jovem, tem cabelos, barba, bigode e sobrancelhas escuros. Veste um terno azul marinho, camisa branca e gravata vermelha. Fala ao microfone no púlpito. Foto 3: a imagem mostra o senhor Amarildo. Ele é um homem grande, de cabelos brancos. Usa óculos de grau e veste camiseta azul marinho escrito “Cufa RS”. Ele fala ao microfone no púlpito.
Marcia Marafon/ Fotos: Ednilson Aguiar
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT