Morte do último populista

A morte de Jânio Quadros deixa no ar deste Brasil tão incoerente, algumas interrogações. E, quando nada, muitas lições. Morreu o último populista autêntico. E não obstante, estabelecer-se entre Jânio Quadros e o atual presidente Fernando Collor laços de semelhança.

Antes dele, morreram dois populistas eméritos.  Juscelino Kubistschek e antes desse, Getúlio Vargas.

Antes de considerações sobre estilos, é bom recordar que na morte estes três promoveram manifestações de comoção popular. Outros ex-presidentes que morreram desde 1954 nem lágrimas arrancaram do povo.

Tinha dez anos quando Getúlio morreu.  O rádio transmitia com intensidade emocional a crise do país.  O povo na rua chorando a perda do líder ou revoltado querendo punições.  O governo Vargas padecia de extremos. De um lado os apaixonados.  De outro a oposição violenta que-Indo a apuração da corrupção e dos crimes de que eram acusadas pessoas de sua confiança pessoal ou familiar.

A Revista O Cruzeiro mostrava em fotos de página inteira o drama do velório, do enterro e os debates no Congresso .Nacional.  De um lado a emoção e de outro a discussão política.

O enterro de Getúlio entrou para a História.

Em 1976 morreu Juscelino Kubitschek, sucessor eleito de Getúlio.  Governou entre 1956 e 1961. Morreu em 23 de agosto de 1976 num acidente automobilístico na rodovia entre São Paulo e Rio de Janeiro.  Velado no Rio e depois em Brasília, de novo o país verteu lágrimas por um ex-presidente da República. Em pleno governo Geisel, o ranço contra JK não morrera ainda entre os militares. De verdade, as relações dele com os militares nunca foram nota dez.  Haja vista que dois golpes frustrados, um em Jacareacanga, no Pará, e outro em Aragarças, Goiás, tentaram impedir sua posse.  Apesar da anistia aos rebeldes, os quartéis vieram se vingar em 1965, cassando-o senador eleito por Goiás.

Geisel não pôde evitar o luto oficial.  E os militares não puderam evitar que o “pai dos candangos” construtores de Brasília buscassem seu corpo no aeroporto da cidade e percorressem a pé oito quilômetros entre a catedral, onde foi velado, e o cemitério. Brasília chorou e o país sentiu o peso no peito.

Em 1985 morreu o presidente eleito Tancredo Neves. Apesar de eleito pelo voto indireto do Congresso, Tancredo vinha de uma cruzada pela redemocratização que lhe dera procuração popular: Lembrou JK.  Com a diferença que seu corpo foi velado no Palácio do Planalto.

Agora morre Jânio Quadros, o sucessor de JK. Também eleito, embora tenha renunciado sete meses após sua posse, sua figura humana era um poço de contradições.  E uma fonte inesgotável de surpresas.  Como prefeito de São Paulo, anterior à atual prefeita Luiza Erundina, Jânio pendurou chuteiras, fez e desfez agrediu a imprensa, a sociedade, mas um certo ar de mistério indulgenciava suas loucuras.

Mesmo fora da presidência há exatos 31 anos, sua morte e seu enterro repetiram o mesmo fenômeno emocional que só a representatividade popular consegue provocar.  Os 5 milhões de votos para presidente em 1961 ainda se seguram na memória popular.  Morreu o janismo dos anos 60, mas a morte mereceu a homenagem que só o mandato popular pode conferir.

Depois de Tancredo Neves morreu o presidente Emílio Garrastazu Médice, que governou entre 1970 e 1975.  Morreu no anonimato.  O mero registro da mídia.  Sem emoção e nem compromissos políticos.

A questão a se discutir é essa. Quando existe uma memória de mandato popular, o inconsciente coletivo cobre. Seja chorando a morte, seja cobrando a omissão. A renúncia de Jânio deixou de pertencer-lhe no dia 24 de agosto de 1961, quando renunciou. Virou fenômeno nacional e promoveu transformações gravíssimas na vida do país nos anos seguintes. Jânio sempre se sentiu perseguido por essa memória popular. E nunca pôde, em nome dela também, confessar que renunciou.  Mas que quis dar um golpe e tropeçou na pernada.

Morreu junto com Jânio Quadros uma Considerável parcela ainda viva do Brasil dos coronéis da terra, dos capitães da indústria.  Eles continuam existindo, através dos seus herdeiros, mais modernos e com o mesmo poder de pressão.  Mas isso é -outra história.  Para Fernando Collor, talvez.

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