O Almanaque Brasil, por meio do jornalista Bruno Hofman, rememora a chegada dos bondes ao país, destacando episódios marcantes em São Paulo e Cuiabá. Na capital paulista, os trilhos foram inaugurados em 1872, com bondes puxados por burros entre a Rua do Carmo e a estação da Luz. Já em Cuiabá, a estreia do transporte sobre trilhos ocorreu em 1891, com veículos igualmente tracionados por burricos e operados pela Companhia Progresso Cuiabano, mais tarde adquirida por Benedito Figueiredo Leite, o popular “Didito da Balsa”.
Mas o bonde cuiabano não levou apenas passageiros: carregou consigo um episódio político inusitado. Em 1898, o chefe de Polícia, major Frederico Adolfo Joseti, proibiu a circulação dos bondes alegando questões de segurança. A ordem, no entanto, foi desafiada pelo influente senador Generoso Ponce, líder do Partido Situacionista, que determinou que o bonde seguisse viagem — uma afronta que resultou em embate direto com o presidente do Estado, Antônio Corrêa da Costa. Sem respaldo e temendo as consequências de prender um senador, Joseti renunciou. Corrêa da Costa, pressionado pela crise, também deixou o cargo e retirou-se para Porto Murtinho. Um bonde, assim, foi capaz de descarrilar uma presidência.
Curiosamente, a própria palavra “bonde” é um termo tipicamente brasileiro, com diversas teorias sobre sua origem. Mais do que um meio de transporte, ele legou expressões que resistem no nosso vocabulário até hoje, como:
- Andar na linha – agir com correção e integridade;
- Pegar o bonde andando – entrar em algo já em andamento;
- Perder o bonde da história – deixar escapar uma oportunidade;
- Comprar um bonde – cair em um golpe ou ser enganado;
- Tocar o bonde – seguir adiante com uma decisão ou plano;
- Tomar o bonde errado – quando tudo dá errado;
- Trombada – colisão ou choque inesperado, expressão que teria surgido após um elefante, fugido de um circo nos anos 1920, derrubar um bonde com a tromba.
Há ainda os termos técnicos e curiosidades da época:
Condutor era sinônimo de cobrador; motorneiro, o motorista do bonde; e o almofadinha, que hoje remete a alguém excessivamente vaidoso, era o passageiro que levava sua própria almofadinha de madeira para suavizar o sacolejo dos trilhos.
A história dos bondes, portanto, não se resume ao transporte urbano: ela percorre os trilhos da política, do cotidiano e da linguagem popular brasileira. E em Cuiabá, como se viu, um bonde foi capaz de fazer estremecer os alicerces do poder.