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A Rusga Cuiabana: sangrento levante contra os ‘Bicudos’

A história da Rusga Cuiabana, ocorrida em 1834, é um marco violento e emblemático na política provincial de Mato Grosso. Essa revolta, comandada pela Guarda Nacional em aliança com a Guarda Municipal, foi orquestrada pela Sociedade dos Zelosos da Independência, de orientação liberal, e resultou em um ataque brutal contra os portugueses residentes em Cuiabá, chamados pejorativamente de “Bicudos”. Este movimento inscreveu-se no contexto da instabilidade política da Regência no Brasil (1831–1840), período que sucedeu à abdicação de D. Pedro I. Contexto Histórico: Liberais x Conservadores Durante a Regência, o cenário político nacional era dominado por duas correntes principais: os progressistas (futuramente Partido Liberal), apoiadores de reformas sociais e políticas, e os regressistas (posteriormente Partido Conservador), defensores de uma ordem tradicional, incluindo o retorno de D. Pedro I ao poder. Em Mato Grosso, essas facções organizaram-se em duas associações: Sociedade dos Zelosos da Independência: congregava liberais moderados e radicais, sendo esta última ala a protagonista da Rusga. Sociedade Filantrópica: representava os interesses conservadores e a elite portuguesa da província. A rivalidade entre essas associações intensificou-se em disputas pelo controle político da região, culminando no episódio sangrento. A Eclosão do Conflito: 30 de Maio de 1834 A insatisfação com o domínio político dos conservadores levou os radicais da Sociedade dos Zelosos da Independência a planejar um levante. Apesar de esforços do Conselho do Governo provincial para evitar o conflito, incluindo a nomeação de João Poupino Caldas como presidente da província, a revolta não foi contida. Na noite de 30 de maio de 1834, Cuiabá foi tomada pelo caos. Relatos da época, como os do historiador Estevão de Mendonça, descrevem o cenário: “Ouviam-se o toque de cornetas, tiros e gritos de ‘Morram os Bicudos’ enquanto portas eram arrombadas por machados e alavancas”. A revolta culminou em ataques a propriedades e residências de portugueses e outros estrangeiros, culminando no massacre de cerca de 400 pessoas, incluindo crianças. Os insurgentes, reunidos no Campo D’Ourique (atual Praça Moreira Cabral), marcharam por ruas de Cuiabá, motivados por um ódio étnico e político que nem mesmo os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis, de crucifixo em mãos, ou do moderado presidente Poupino Caldas, conseguiram deter. O Líder e o Pós-Revolta A liderança simbólica da Rusga foi atribuída a Antônio Luís Patrício da Silva Manso, conhecido como “O Tigre de Cuiabá”. Médico e botânico, Silva Manso deixou Cuiabá antes da eclosão do levante. Após a carnificina, Poupino Caldas renunciou ao cargo, sendo substituído por Antônio Pedro de Alencastro, que iniciou o processo judicial contra os responsáveis pela revolta. A Repressão e o Julgamento Em 4 de novembro de 1834, o Promotor Público Joaquim Fernandes Coelho iniciou o Auto Sumário Crime para apurar os delitos cometidos. Entre os acusados, presos no Quartel da Guarda Municipal, estavam: José Alves Ribeiro (fazendeiro); José Jacinto de Carvalho (capitão da Guarda Nacional); Pascoal Domingues de Miranda (bacharel); Braz Pereira Mendes (professor de filosofia); Bento Franco de Camargo (vereador). Os cinco líderes foram enviados ao Superior Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro. No entanto, o tribunal declarou que o foro adequado para o julgamento era Cuiabá. Retornaram com habeas corpus, sendo soltos posteriormente, com exceção de Pascoal Domingues de Miranda, que permaneceu no Rio. Legado da Rusga A Rusga Cuiabana permanece como um dos episódios mais trágicos e controversos da história de Mato Grosso. Marcada pela violência étnica e pelas disputas políticas, ela reflete o conturbado período regencial e as tensões entre o poder local e as forças coloniais. Este episódio não apenas moldou o panorama político da província como também deixou marcas profundas na memória histórica da região. (com Elizabeth Madureira Siqueira)

Corumbá, do marco colonial à reconstrução Pós-Guerra

A história do atual município de Corumbá, situado em posição estratégica no rio Paraguai, remonta às primeiras décadas do século XVI, quando o português Aleixo Garcia, em 1524, explorou a região em busca de ouro. Contudo, sua ocupação efetiva e organização estratégica só se consolidaram no século XVIII, sob os esforços do governador e Capitão-General da Capitania de Mato Grosso, Luiz Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, que implantou pontos militares para defender o território contra incursões espanholas, reforçando o domínio português na fronteira oeste do Império. A Expansão Econômica e o Papel da Navegação Com o estabelecimento, em 1856, do livre trânsito de embarcações brasileiras e estrangeiras no rio Paraguai, o porto de Corumbá tornou-se essencial ao comércio regional. A localização geográfica privilegiada conferiu-lhe o status de polo econômico, rompendo o isolamento secular e conectando a região ao restante do Império. Em 1859, o povoado foi transferido para o local onde hoje se ergue a cidade. Dois anos depois, em 1861, uma alfândega foi instalada no porto para regulamentar o comércio, e, em 1862, o povoado foi elevado à categoria de vila. Ruas amplas começaram a ser traçadas, e o comércio floresceu, marcando o início de um período de prosperidade. Contudo, o progresso trouxe desafios: a infraestrutura urbana era precária, o transporte de mercadorias enfrentava dificuldades, e a ausência de saneamento básico agravava as epidemias. Barcos provenientes de diversos países atracavam no porto, mas a falta de controle sanitário contribuiu para a disseminação de doenças, afetando gravemente a população. Crises e Contradições Sociais Paralelamente ao crescimento econômico, as enchentes periódicas do rio Paraguai, somadas às crises políticas e à violência cotidiana, tornaram a vida difícil. A estrutura social apresentava uma marcante dualidade: de um lado, um pequeno grupo que monopolizava o comércio e detinha o poder econômico; de outro, a maioria da população vivia em condições de extrema precariedade. Os povos indígenas, integrados à força ao sistema econômico, ocupavam a base dessa estrutura como mão de obra barata nos portos. A Devastação na Guerra do Paraguai O apogeu de Corumbá foi interrompido pela Guerra do Paraguai (1864–1869), quando tropas de Solano López invadiram e destruíram a cidade em 1865. A ocupação paraguaia desarticulou o comércio, interrompeu a navegação no rio Paraguai e reduziu a cidade a ruínas. Casas e depósitos foram saqueados, a infraestrutura devastada, e a população, diminuída e empobrecida, enfrentou privações severas. A Retomada e a Reconstrução A libertação de Corumbá ocorreu em 13 de junho de 1867, quando uma tropa liderada pelo tenente-coronel Antônio Maria Coelho, partindo de Cuiabá, conseguiu retomar a cidade. A vitória marcou o início de um esforço árduo de reconstrução. Navegação e comércio foram gradualmente restabelecidos, e os núcleos urbanos devastados começaram a ser reorganizados. Origens Coloniais e Legado Histórico As raízes de Corumbá remontam ainda a 1778, quando o vilarejo de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque foi fundado em função das disputas territoriais entre portugueses e espanhóis. Desde então, a cidade desenvolveu-se em íntima relação com o rio Paraguai, que, além de cenário de sua história, permanece como testemunha das lutas e conquistas que moldaram a região. Fotografia histórica: Em destaque, uma vista panorâmica do Rio Paraguai e da cidade de Corumbá na década de 1950, retratando a resiliência de um povo que soube renascer das adversidades para construir um futuro próspero e dinâmico. (com Elizabeth Madureira Siqueira)

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