Rusga, nativistas cuiabanos contra ricos portugueses

A grande revolta denominada Rusga foi uma organização criminosa que ocorreu em Cuiabá comandada pela Guarda Nacional que se uniu à Municipal, invadindo casas dos ricos portugueses, a quem deram o nome de ‘Bicudos’. Essa movimentação foi orquestrada pela “Sociedade dos Zelosos da Independência”, entidade de cunho liberal.

Histórico – A Regência no Brasil, que durou de 1831 a 1840, foi uma consequência da abdicação de D. Pedro I. Durante esse período, dois grupos políticos – os liberais e os conservadores – dominavam a vida pública nacional, embora, na verdade, essa predominância tenha se estendido durante todo o Segundo Reinado, até 1889, quando da proclamação da República.

Progressistas X Regressistas – De um lado, os progressistas (mais tarde, Partido Liberal), aliados do regente padre Feijó, e de outro os regressistas (depois, Partido Conservador), facção política composta na maioria por portugueses que desejavam a volta do ex-imperador, D. Pedro I. Ideologicamente, essas duas correntes políticas tinham pouca diferença entre si, mas a ambição pelo poder as mantinha separadas, em constante pé de guerra.

Sociedade dos Zelosos da Independência X Sociedade Filantrópica – Nas províncias, seus adeptos se agrupavam sob nomes diversos. No Mato Grosso não acontecia coisa diferente, e por isso os liberais se organizaram através da “Sociedade dos Zelosos da Independência”, enquanto os conservadores fundaram a “Sociedade Filantrópica”. Os membros dessas duas associações disputavam ferrenhamente o poder provincial e local, e foi nessa busca obsessiva pelo “direito” de mandar em tudo e em todos, que eles protagonizaram um capítulo sangrento da história mato-grossense.

Tome Nota: A professora Elizabeth Madureira Siqueira, doutora em Educação, Mestre em História e integrante do Conselho Diretor da Fundação da Universidade de Mato Grosso, esclarece em seu livro “A Rusga em Mato Grosso”, que:

a) “A Sociedade Filantrópica, dentre outros objetivos, desejava recolocar no trono D. Pedro I, assim como ver mantido no poder político da província do Mato Grosso o grupo que tradicionalmente vinha conduzindo a política, e que, naquele momento, estava simbolizado pelo então presidente Antônio Corrêa da Costa, nomeado por D. Pedro I.

b) A Sociedade dos Zelosos da Independência era dividida em dois grupos: os liberais moderados e os liberais radicais, sendo que a ala mais radical é que deu início e continuidade ao movimento. Almejava somente destituir do governo da província de Mato Grosso o grupo político que há anos a dirigia, e em seu lugar colocar os liberais”. Os liberais radicais buscavam avanços nessa proposta, desejando radicalizar e expulsar o grupo que estava no poder.

O dia 30 de maio de 1834 – Segundo os relatos da época, os integrantes da Sociedade dos Zelosos da Independência desejavam tomar o poder das mãos de seus adversários, e com esse objetivo planejaram uma revolta com início marcado para a madrugada do dia 30 de maio de 1834. Ao tomar conhecimento desse plano, o Conselho do Governo provincial de Mato Grosso pretendeu abortar o movimento, elegendo, em 27 de maio, o também conselheiro João Poupino Caldas, tenente-coronel ligado aos Zelosos da Independência, para o cargo de presidente da província, mas essa providência não surtiu nenhum resultado prático.

Eclodiu-se a rebelião contra os ‘Bicudos’ – Na versão do historiador Estevão de Mendonça, em sua obra Datas Mato-grossenses, por volta das onze horas da noite do dia 30 de maio de 1834, data acertada antecipadamente para a eclosão da rebelião liberal, “se ouviu tocar rebate de cornetas e caixas de guerra, tiros de arcabuzes, e gritos de morram os bicudos. Na escuridão da noite apenas se ouviam barulhos de machados e alavancas arrombando as portas dos negociantes adotivos ali residentes”. “Bicudo” era o apelido depreciativo que os cuiabanos davam aos portugueses que moravam na cidade, e sua origem tem relação com Manuel de Campos Bicudo, bandeirante paulista e primeiro homem branco a chegar à região de Mato Grosso. Foi ele quem fundou o arraial de São Gonçalo Beira Rio, por volta de 1673, no lugar onde atualmente se ergue a cidade de Cuiabá.

Concentração contra os ‘Pés de Chumbo’ se deu no Campo D’Ourique – Os registros revelam que naquela noite de 30 de maio de 1834, no Campo D’Ourique (hoje Praça Moreira Cabral), onde está instalada a Câmara Municipal de Vereadores, uma multidão revoltada ali se reuniu, e dali, incentivada pelo toque dos tambores e cornetas da Guarda Nacional, partiu pela rua Joaquim Murtinho em direção ao Palácio da Instrução, sede do Quartel dos Municipais, aos gritos de “Morram os bicudos pés de chumbo”, percorrendo depois outras ruas de Cuiabá, disposta a atacar, ferir e até mesmo matar os portugueses e estrangeiros encontrados pelo caminho. Segundo consta, mais de quatrocentos adotivos, entre eles crianças, foram massacrados pelo populacho ensandecido.

Nem o padre conseguiu conter a fúria dos nativistas – O padre José de Moura e Silva, em “Aspectos Históricos de Mato Grosso”, relata que “O presidente Poupino Caldas, tentou conter a fúria da população enraivecida, mas nada conseguiu, a não ser que mais tarde o taxassem de traidor, por pertencer ao grupo liberal moderado.

Da mesma forma, os exaltados cuiabanos não ouviram os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis, que, de crucifixo na mão, implorava o término da carnificina, mas de nada adiantaram seus apelos (…).

PAULO PITALUGA COSTA E SILVA/BREVE HISTÓRIA DE MATO GROSSO E SEUS MUNICÍPIOS
O comando nativista era chamado pelo nome de ‘O Tigre de Cuiabá’ –
O principal chefe desse movimento nativista em Mato Grosso foi o médico cirurgião e botânico Antônio Luís Patrício da Silva Manso, na época cognominado ‘O Tigre de Cuiabá’. Antes mesmo da eclosão do movimento ele deixou Cuiabá, e Poupino Caldas, nomeado para comandar a província, renunciou, sendo nomeado em seu lugar Antônio Pedro de Alencastro, assumiu aos 29 de setembro de 1834 e instaurou processo contra os criminosos da sedição mato-grossense”.

APURAÇÃO DO CRIME
Em 4 de novembro de 1834, os jornais de Cuiabá informavam que “Atendendo à representação do Promotor Público Joaquim Fernandes Coelho, o Juízo de Paz do 1º Distrito, iniciou ontem o Auto sumario Crime para apurar as circunstâncias da rebelião armada que, na madrugada do dia 31 de maio, tomou de assalto prédios públicos, arrombou e saqueou casas comerciais e matou pelo menos 40 estrangeiros em Cuiabá.

Os acusados, presos – Antes mesmo da sentença, já estavam presos no calabouço do Quartel da Guarda Municipal os cinco acusados pela Promotoria de liderar o movimento. Eram eles: o fazendeiro José Alves Ribeiro, o capitão da Guarda Nacional José Jacinto de Carvalho, o bacharel Pascoal Domingues de Miranda, o professor de Filosofia Braz Pereira Mendes e o vereador Bento Franco de Camargo. As prisões teriam sido feitas ‘à ordem da regência e pelo povo em massa’, conforme justificou o novo Presidente da Província, Antônio Pedro de Alencastro.

Os cinco ‘cabeças do movimento’, como diz a denúncia da Promotoria Pública, serão encaminhados para o Rio de Janeiro e julgados pelo Superior Tribunal de Justiça”, no Rio de Janeiro, então capital do Império brasileiro. Sobre esse julgamento, a professora Elizabeth Madureira Siqueira esclarece que o Auto-sumário Crime finalizou com a remessa desses 5 cabeças para serem julgados no Superior Tribunal, porém, os juízes consideraram que o Rio de Janeiro não era o foro para os crimes serem julgados, e sim Cuiabá.

Então, os acusados regressaram a Cuiabá, já com habeas corpus, como foi o caso de José Alves Ribeiro e José Jacinto de Carvalho. Os outros três foram soltos, sendo que Pascoal Domingues de Miranda ficou na cidade carioca. (por Elizabeth Madureira)

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