Em meio ao cenário bucólico e intrigante da Cuiabá colonial, em 1753, desenrolou-se um drama de paixão e poder que marcaria os primórdios da história da então Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá. Os protagonistas deste romance foram duas figuras ilustres da época: o influente ouvidor João Vaz Morilhas, homem culto e elegante, e o governador da recém-criada Capitania de Mato Grosso, dom Antônio Rolim de Moura Tavares. No centro deste triângulo explosivo, estava a misteriosa e encantadora Benta Cardoso, uma mulher cuja beleza e presença cativaram os dois homens mais poderosos da região.
A trama teve início nas noites silenciosas da pequena vila. Vaz Morilhas, profundamente apaixonado por Benta, a recebia secretamente em um casarão que hoje abriga os Correios, situado na então Rua Bela do Juiz, atual 13 de Junho. A jovem, detida no quartel vizinho, escapava sorrateiramente todas as noites, atravessando uma porta entreaberta que dava acesso direto ao apaixonado juiz. Sob as estrelas, longe das vistas curiosas, os dois viviam seu romance proibido, desafiando convenções e o próprio destino.
No entanto, o idílio foi interrompido pela chegada de dom Antônio Rolim de Moura Tavares, o primeiro governador da capitania, enviado por El-Rei de Portugal para impor a ordem e consolidar o domínio português na região. Dono de um temperamento enérgico e ambicioso, Rolim de Moura rapidamente se estabeleceu como a autoridade suprema da vila, ofuscando o poder até então exercido pelo ouvidor. Não tardou para que os olhos do governador recaíssem sobre Benta Cardoso, e ele, tão enfeitiçado quanto o juiz, decidiu disputar o coração da jovem.
O que se seguiu foi uma verdadeira batalha de egos e influências. Rolim de Moura, valendo-se de sua autoridade como representante direto da coroa, começou a perseguir e ameaçar Vaz Morilhas. A rivalidade entre os dois escalou até um ponto insustentável, e o governador, determinado a eliminar seu concorrente, ordenou a prisão do juiz. Sob escolta armada, João Vaz Morilhas foi forçado ao exílio, sendo enviado para Belém, no Pará, deixando para trás não apenas a mulher que amava, mas também sua posição e prestígio na Vila Real de Cuiabá.
Com o afastamento de Vaz Morilhas, o romance chegou ao fim, mas suas repercussões ecoaram por décadas. O nome da Rua Bela do Juiz, como passou a ser conhecida pela população, eternizou o episódio nas memórias cuiabanas, transformando o local em um marco da paixão e da intriga política.
Benta Cardoso, por sua vez, permaneceu envolta em mistério, um enigma de seu destino que apenas aumentou seu fascínio na imaginação popular. Já dom Antônio Rolim de Moura Tavares continuou a governar a capitania, consolidando sua influência e deixando um legado administrativo que, paradoxalmente, carregava as marcas de um amor que nunca chegou a ser consumado plenamente.