Nas profundezas das florestas mais densas e nas encostas das montanhas mais altas do Mato Grosso, há quem jure ouvir gritos longínquos ecoando na madrugada. Gritos tão fortes que, dizem, podem arrebentar os tímpanos de quem ousa escutá-los de perto. Esses gritos não pertencem a nenhum animal comum… são os clamores do temido Pé de Garrafa.
Trata-se de uma criatura mística, de presença marcante e aparência singular. É descrito como um ser gigantesco, com mais de três metros de altura, completamente coberto por um pêlo negro espesso, exceto na região do umbigo, onde se encontra uma mancha branca — o seu ponto mais vulnerável.
O nome vem do seu único pé, grande e arredondado, com a forma do fundo de uma garrafa, o que lhe dá um caminhar pesado e inconfundível. Para além disso, carrega no rosto apenas um olho — profundo, triste, inquieto — e um único chifre, curvo como galho de árvore seca.
Mas o que muitos não sabem é que por trás dessa figura assustadora esconde-se uma alma solitária e antiga. Conta-se que o Pé de Garrafa não nasceu monstro. Em tempos remotos, foi um homem comum, um guardião das matas que desafiou as forças da natureza em busca de poder. Castigado pela própria floresta que jurara proteger, foi transformado num ser marginalizado, preso ao seu território e condenado a vagar eternamente.
Hoje, quando encontra alguém nos caminhos escuros da mata, o Pé de Garrafa grita — não para atacar, mas para perguntar o caminho de volta à humanidade, ou talvez para ter uma companhia por instantes. Mas há um aviso antigo: quem ouve os gritos não deve responder, pois ele pode seguir a pessoa por longas distâncias, assombrando os seus passos.
A única forma de escapar do seu encalço, dizem os mais antigos, é atingir-lhe o umbigo branco — o ponto fraco que guarda o último vestígio do homem que um dia foi.
O Pé de Garrafa é, portanto, mais do que um monstro. É um aviso das matas, um reflexo das escolhas humanas e da solidão que nasce quando nos afastamos da nossa essência.