
Um dos casos se trata de protesto feito no Cartório do Terceiro Ofício de Cuiabá por Francisco Dias Leite contra José Serafim de Borba. Ele reclamava porque comprou duas pessoas como escravas – Manoel, de 45 anos, e Bárbara, de 30 anos – pelo preço de dois contos e trezentos mil réis, (moeda daquela época), mas ambos apresentavam “moléstias que impossibilitaram de efetuar todo e qualquer tipo de serviço”, conforme consta nos autos. O valor havia sido pago com entrada de um conto e trezentos mil réis e o restante seria pago no prazo de seis meses. Constam como advogados do impetrante o alferes Caetano Maria Albernás, Ricardo Francisco de Almeida e o capitão Bartolomeu da Silva. Não é possível saber o desfecho do conflito, uma vez que o processo encontra-se incompleto.
Um segundo caso que chama a atenção é um processo, também de 1868, em que Miguel Ângelo de Oliveira Pinto acionou a Justiça para conseguir ser declarado inventariante e herdeiro dos bens deixados para a esposa dele, Francisca Rosa de Oliveira Pinto. Ela era filha legitimada do padre Miguel Dias de Oliveira, que morreu e deixou alguns bens móveis e semoventes (animais), mas sem testamento. O processo é um exemplo de como a mulher não era detentora de direitos naquela época, o que é possível observar logo no início da petição, onde está escrito que o impetrante entrou com a ação “por cabeça de sua mulher”.
O juiz municipal suplente (como era denominado o cargo) do caso foi o tenente coronel José Leite Galvão, que despachava de sua casa, para onde tinham que ir o escrivão e as partes para participar das audiências. Outro ponto que chama a atenção na leitura dos registros, dificultada devido à caligrafia e ao vocabulário da época, é que, durante a audiência em que foi declarado inventariante e herdeiro dos bens deixados pelo sogro, o impetrante teve que fazer um juramento com a mão direita levantada sobre o Evangelho, ou seja, a Bíblia.
Nesse ato, Miguel Ângelo de Oliveira Pinto prometeu que, se não declarasse todos os bens, perderia o direito a eles e pagaria o dobro de sua valia. Além disso, incorreria no crime de perjúrio, ou seja, se comprometeu em fazer o que atualmente é a declaração do imposto de renda.

A magistrada destaca ainda as mudanças na figura do juiz e da estrutura do Judiciário. “É interessante que um dos processos fala em juiz municipal. Então o que se tinha eram pessoas, certamente indicadas pelo governo, na época, para atuar nessas situações de conflito que houvessem na sociedade. E não havia um tribunal. O juiz, que é designado como municipal, trabalhava na casa dele, atendia da casa dele, despachava da casa dele. E no caso ali era um militar. Então, certamente alguém que tinha outras funções e acumulava também essa função de juiz”.
Preservação da memória – Há cerca de 5 anos, o Tribunal de Justiça contratou especialistas para fazer o levantamento de um acervo composto por três mil caixas de processos dos séculos 19 e 20. Os documentos foram analisados e afunilados para 45 caixas de processos classificados como históricos. A grande maioria é da área cível. Dentre eles, pedidos de inventário, herança, reconhecimento de paternidade, desquites, anulações de casamento, processos envolvendo pessoas escravizadas, ações de cobrança, entre outros.

Memorial on-line – No portal do TJMT, também é possível conhecer mais sobre a trajetória da instituição e da prestação jurisdicional no estado, por meio da página do Memorial do Judiciário, onde há conteúdo relacionado aos livros comemorativos, vídeos, processos históricos digitalizados e até mesmo fazer um tour virtual no Espaço Memória. Clique neste link para conferir.
“Quem não conhece sua história não vai saber nunca o que fazer no futuro. E ter esses documentos guardados, mostrando como era, até pra gente poder ver com nós evoluímos, como nós crescemos e quanto mais a gente pode evoluir e crescer, é de essencial importância para sempre buscar essa visão do futuro, mas prestando atenção no que aconteceu no passado, até para não cometer os mesmos erros. Então é bem gratificante ver o cuidado que se tem com a memória do Poder Judiciário de Mato Grosso e ver quão importante foram os fatos e a presença da Justiça desde sempre na sociedade!”, afirma a juíza Viviane Rebello.
#Paratodosverem
Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Foto 1: Foto em plano fechado que mostra as mãos da juíza Viviane Rebello manuseando, com luvas, um processo antigo. O processo tem folhas amareladas e marcadas pelo tempo, tudo nele é escrito à mão, com caligrafia bastante rebuscada. Foto 2: Juíza Viviane Rebello está sentada, manuseando um processo antigo, que está disposto sobre uma mesa de madeira. A juíza é uma mulher branca, de cabelos grisalhos e curtos, usando blusa branca e terno azul. Foto 3: Um servidor de cabelos grisalhos, usando camiseta azul, óculos, luvas de vinil e máscara, manuseia uma caixa na prateleira do arquivo do Fórum de Cuiabá. A prateleira é uma dentre várias outras, todas repletas de caixas de processos.
Celly Silva/Fotos: Alair Ribeiro e Eduardo Guimarães
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT