Saudades do Fusca-motel

Não tenho qualquer sentimento pessoal contra o Fusca.  Ao contrário.  Os meus sentimentos pessoais são todos favoráveis ao carrinho que de uma ou de outra forma esteve ligado à minha adolescência.  Confesso que o sonho do primeiro carro sempre foi dirigido para o Fusca. Não comprei um. Na época revelou-se minha tendência para as camionetas e acabei comprando uma Vemaguete. Usada, naturalmente. Foi minha primeira paixão automobilística. Para quem não se lembra a Vemaguete era uma perua do tipo Belina.

Mas o Fusca era vendido aos milhares e hoje senhores e senhoras cinquentões não podem separar as lembranças de sua juventude das traquinagens praticadas com ou dentro dele.

Lá pelos anos 60 possuir carro era privilégio de pouquíssima gente. Mas os anos 70 já abriram as comportas dos financiamentos junto com o milagre brasileiro e as ruas se inundaram de automóveis.

De Fusca, principalmente.

Senhores e senhoras, hoje de cabelos embranquecidos, se recordam das aventuras que se praticavam dentro de um Fusca. Nos estacionamentos, nos pátios das escolas, das universidades, o Fusca revelava sua grande discrição porque sua suspensão muito dura não balançava como movimento das loucuras amorosas daqueles afoitos adolescentes. Quem não se lembra dosdrive-in. Se a visibilidade de dentro para fora era ruim, no entanto, era uma beleza porque de fora para dentro ninguém via nada.

E disso se aproveitavam os jovens que namoravam dentro dos carros de então.  Principalmente dentro do Fusca.

Motel é coisa nova no Brasil. Surgiram lá pelo fim dos anos 70.  Até então, o fato de não existirem motéis não significava que a juventude se mantivesse casta e pura. Os carros funcionavam como moteis.  E o Fusca ganhava disparado, com sua discrição.

Poucos cinquentões de hoje não começaram os amassos dentro de um Fusca. Curioso como o carrinho, apertadinho acabava sendo excelente justamente pelo pouco espaço. Começava se no banco da frente e tudo acabava no banco traseiro. O segredo, ainda se lembram aqueles ex-adolescentes, eram os bancos dianteiros que se dobravam para a frente e abriam um espaço incalculável para as manobras; sexuais. O espaço interno pequeno favorecia outro fenômeno da física. Rapidamente os vidros se embaçavam e, pronto estava pronta a cumplicidade.

Em Brasília, existiam alguns espaços reservados aos namorados motorizados. A Praça da Torre de Televisão, bem no coração da cidade era um local consenti do. Um carro da polícia vagava por ali, para fiscalizar contra assaltos. Mas haviam regras: não se podia ficar inteiramente nu, nem abrir as portas do carro ou pôr os pés para fora pela janela. Fora isso, os amassos corriam tranquilos com a segurança policial garantindo aquelas dezenas de ilhas românticas. Como pano dê fundo uma fonte luminosa jorrava água colorida e música romântica.

Mais tarde criou-se junto à segunda ponte do lago sul, outra ilha para namoros dentro do automóvel.  A Praça da Torre fora demolida. No novo pátio da ponte ainda é comum casais cinquentões recordarem o calor da juventude.

Então, é impossível ignorar esse passado recente de todos nós que estamos próximos dos 40, 50 anos. O que não cabe mais é o Fusca nas rodovias com aquela sua pressa vagarosa dos anos 70. Mas isso não mata a saudade de menor motel do mundo que mais de uma geração experimentou e nunca se esqueceu.

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O Almanaque Cuyabá é um verdadeiro armazém da memória cuiabana, capaz de promover uma viagem pela história em temas como música, artes, literatura, dramaturgia, fatos inusitados e curiosidades de Mato Grosso. Marcam presença as personalidades que moldaram a cara da cultura local.