Esquecemos os nossos pioneiros

Algumas são como Tangará da Serra, por exemplo uma cidadezinha poeirenta há quatro anos e hoje uma belíssima cidade com ares de imponência, de vitalidade econômica e uma vida noturna diferente de outras cidades do interior de Mato Grosso. Bons restaurantes, bastante refinados, onde se vêem as famílias, os namorados e os jovens numa das facetas da vida normal das pessoas. Isso não é visto na quase totalidade das demais cidades, embora seja fato corriqueiro.

Mas é especialmente na lembrança e no conhecimento de pessoas extraordinárias que estas viagens me têm sido gratificantes. Tive a oportunidade de conhecer em Mato Grosso pessoas muito especiais, com características diversas entre si, mas marcadas por qualidades de caráter e de coragem impressionantes.

De todos, talvez, a que mais me tenha marcado foi o pastor luterano Norberto Schwantes, cuja morte faz dois anos nos próximos dias. Eu o conheci em Barra do Garças no auge da colonização gaúcha do Vale do Araguaia, quando os projetos de Canarana e Água Boa estavam sendo implantados. Colonos vinham de Oeste do Rio Grande do Sul em três aviões DC-3 comprados usados da Força Aérea Brasileira e que acabaram apelidados carinhosamente de Vaca – Viação Aérea Canarana. Tivemos contatos muito superficiais, ele com a sua figura portentosa, apesar do físico não ter a mesma altura do carisma, mas fiquei profundamente impressionado com ele. Um dia soube que estava doente, com câncer, em 1982.

Tomei um carro e viajei até Barra do Garças para entrevista-lo para a revista Contato. Na época só ia a Barra do Garças de carro quem, no mínimo, estivesse morrendo ou quisesse buscar o padre para a extrema-unção. Encontrei-o num pequeno e modesto escritório no centro da cidade, um pouco mais magro, instalado modestamente. Vira-o no fausto e via-o agora “alquebrado”, como me disse.

Conversamos durante umas quatro horas. Vi o homem apagado elevar-se a um gigante com o mesmo idealismo ressurgir. Fiz uma entrevista de quatro páginas para a revista e não o vi mais nos anos seguintes. Ele usou a revista para despedir-se dos colonos dos municípios de Nova Xavantina, Canarana e Água Boa, que os gaúchos fundaram através da Copercana, a cooperativa que conduziu a colonização no Vale do Araguaia. Vim encontrá-lo anos depois em Cuiabá e no escritório de representação de Mato Grosso em Brasília, já muito doente. Soube de sua morte em Goiânia, apesar de ter lutado desesperadamente para viver e assinar como deputado federal suplente a Constituição Brasileira com que tanto sonhara. A morte foi mais esperta do que a capacidade de sobrevida de Norberto.

Penso que Mato Grosso deve um tributo de reconhecimento a esse pastor luterano já esquecido pela memória oficial e popular fora do Vale do Araguaia e de Terranova do Norte, outro projeto de colonização que implantou junto com a Coopercana no Nortão, e que terminou sendo a sua ruína, em consequência de uma rasteira que lhe deu o Conselho de Segurança Nacional.

É curioso como os pioneiros como Enio Pipino, de Sinop, Ariosto da Riva, de Alta Floresta, Zé Paraná, de Porto dos Gaúchos, Raimundo Costa Filho, de Colíder, Norberto Schwantes e outros tantos mato-grossenses anteriores, já vão sendo esquecidos, mesmo tendo sido o alicerce do Mato Grosso em que hoje vivemos.

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O Almanaque Cuyabá é um verdadeiro armazém da memória cuiabana, capaz de promover uma viagem pela história em temas como música, artes, literatura, dramaturgia, fatos inusitados e curiosidades de Mato Grosso. Marcam presença as personalidades que moldaram a cara da cultura local.