Desde essa época a minha vida já estava ligada à história, à água e às pessoas. Temas limpos e ricos de serem explorados. Nesse vai e vem com a vida, a escola, a leitura, a pesquisa, o saber recebeu maiores atenções.
Na Rua 24 de Outubro, professores de destaques marcaram jovens mato-grossenses: Francisval de Brito, Maria Nery Batista Ribeiro, Maria Auxiliadora de Carvalho, Floriano de Carvalho, Gracildes, Maria Antônia Galvão entre outros, mas um foi para mim muito especial. Campo-grandense de nascimento (17/03/1913), adotou Cuiabá como sua cidade natal.
Professor de história, português, do Liceu Cuiabano, Escola Técnica de Comércio, José Barnabé de Mesquita. Defendeu tese à cátedra de Língua Portuguesa e foi mestre de tantas gerações de mato-grossenses e cuiabanos ilustres. Interessante! Não foi o meu professor de fato. A minha admiração vinha dos corredores do Liceu Cuiabano e da própria Rua 24.
No entanto, a sua postura e o seu comportamento povoaram o meu inconsciente, pela delicadeza e a forma de ensinar. Seu nome: Ranulpho Paes de Barros. Cuiabano desde 15 de dezembro de 1965, era apaixonado pelo magistério, pela política, futebol, jornalismo, além da preocupação com a família. O jornalismo, desde jovem, foi exercido em sua cidade natal, no jornal ‘Correio do Sul’.
No Rio de Janeiro, onde estudou Direito, foi redator do ‘Jornal dos Esportes’ e, mais tarde, na imprensa mato-grossense, destacou-se, entre outros, como diretor da rádio A ‘Voz do Oeste’, ‘O Estado de Mato Grosso’, ‘O Social Democrata’, a ‘Tribuna Esportiva’ e, por último ‘A Folha Mato-grossense’, do qual foi o fundador, ao lado de Ary Paes Barreto, Ananias Vieira da Silva e Adair Lúcia da Silva, cuja redação ficava na rua Marechal Deodoro, 1063, na capital.
Na política, foi vereador por Cuiabá (1962-1966). Presidente do Poder Legislativo. Fundou o diretório do PSD Partido Social Brasileiro, sendo presidente e secretário da antiga ARENA-Aliança Renovadora Nacional, além de exercer os cargos de secretário-geral da Caixa Econômica Federal, diretor do SESC-SENAC e diretor da imprensa oficial. Foi fundador, presidente, diretor e treinador do Mixto Esporte Clube, ao lado de Maria Machado, Gastão de Matos, Naly Hugueney Siqueira, Avelino, Maninho, Zulmira Canavarros, no dia 20/05/1934.
No clube, participou de todos os títulos conquistados. Foi presidente da Federação mato-grossense de desportos (1937-1975). Primeiro presidente do Conselho Regional de desportos (1939-1975) e, depois, membro efetivo. Fundador da Liga Independente do Futebol Cuiabano. Ranulpho foi também treinador da Seleção Mato-grossense, e por isso mereceu o seu nome no álbum de “Ídolos do Futebol Brasileiro”. Fundou a Associação Mato-grossense de Cronistas Esportivos – AMACE, em 12 de março de 1972, em companhia de Gervásio Leite, Joaquim Leite Neto e Edipson Morbeck.
A lembrança do professor Ranulpho ficou marcada por um pequeno trecho escrito na ajuda em uma festividade escolar para esta aluna, que ficou assim registrado: “Em nossa fundação universitária, a juventude escolar mostra a nossa terra, à sua gente, que possui o dote singular do saber”. “A arte de estudar dignifica o homem, a mulher, enfim, o ser humano. Amplia o campo da visão e forma um conceito próprio. (…)
Nos dias atuais, nos grandes mercados brasileiros e quiçá internacionais, a juventude dentro de uma filosofia, em nível superior, terá sempre o seu lugar de destaque pelo trabalho, pois mostrará sempre o poder de criar as coisas, com técnica apurada. (…) Não terão o mestre como assessor. (…) Mostrarão conhecimentos com perfeição, honestidade, dignidade e conceito próprio, acima de tudo. Sinto-me feliz, como paraninfo”. A lembrança do professor, do jornalista, do batalhador pelos esportes e, principalmente, do futebol, me leva a uni-lo à história dos gols, títulos e glórias, do futebol em nosso estado.
O futebol que faz despertar a chama da paixão, da provocação dos delírios, de lembrança doídas e doloridas que empolgaram homens e mulheres mato-grossenses e fizeram vibrar paixões, ora nos estádios Presidente Dutra, ora no Verdão, ou em outros campos simples e comuns. Sendo o futebol uma representação das atividades sociais, culturais, políticas, econômicas no mundo, é importante a preservação dos seus valores, bem como da memória dos seus representantes.
Em tempos de violência, a preservação da prática dos esportes, enquanto memória, é importante para que as crianças e os jovens se relacionem com esses espaços, a fim de que possam entender que o esporte é um espaço de disputas sadias e naturais. O importante que esta história precisa ser escrita e tornada monumento. Neste momento, em que uma proposta do deputado Roberto França é tornada pública para que se crie o Museu do Futebol, cujo espaço será dedicado a homens e mulheres, em especial à memória do futebol em Mato Grosso, deixamos aqui a sugestão de que esse Museu, esse Memorial, receba o nome de Ranulpho Paes de Barros, quer seja no espaço do Dutrinha, quer seja no Verdão.
Hoje, a pessoa não vai para os estádios tanto quanto no passado, mas a paixão continua. Reúnem-se em churrasquinhos em torno do futebol, por exemplo, talvez com medo da violência, das disputas acirradas das torcidas. No entanto, ele não deixou de nos ajudar a soltar as amarras que temos dentro de nós.
Ao deputado Roberto França cabe essa luta, uma vez que não conseguiu, em outra época, designar o Verdão com o nome do professor Ranulpho. Fazer renascer essa paixão pulsante em todos mato-grossenses, por meio da história e da memória, para que ele permaneça vivo, e para que o futuro conheça belo e mais apaixonante, preservando fatos e imagens que fizeram parte do inconsciente coletivo dos mato-grossenses, em relação ao esporte mato-grossense. Ranulpho Paes de Barros casado com Almira Malhado Paes de Barros. É pai de José Luís, Helena Maria, Antero e Luís Carlos. Tem 12 netos e bisnetos 11. Faleceu em Cuiabá, em 20 de fevereiro de 1975.
Comentário de Antero Paes de Barros no seu site pnbonline:
“Tenho por hábito não comentar nada sobre o conteúdo das opiniões dos articulistas. É meu dever não fazê-lo. Dada a particularidade do assunto entretanto, quebro a regra para fazer dois registros:1- Agradecer a Neila Barreto pela homenagem prestada ao meu querido e saudoso pai. Portanto estou me incluindo aí na parte que fala dos filhos de Ranulpho e Almira.Com muita honra e orgulho sou um deles.2- Fazer um registro histórico.
Quando da inauguração do estádio José Fragelli, o ex senador Vuolo desenvolvia enorme campanha para que fosse dado o nome do meu pai ao estádio. Ele,meu pai, já estava com a perna direita amputada. Chamou-me ao seu quarto e pediu-me para ir falar com Ferraz, na época presidente da Câmara e pedir-lhe que não permitisse retirar o nome do Dr. Fragelli.
Eu muito jovem, estava orgulhoso da campanha desenvolvida pelo Vuolo e tentei argumentar: “mas pai…” E ele interrompeu-me: “Não meu filho, vá lá e diga ao Ferraz, presidente da Câmara que não permita isso, o Fragelli realizou o sonho de todos nós”. Assim eu fiz. Meu pai foi atendido.Em todo caso, creio falar em nome da família, Obrigado Neila.”