Com velas nas mãos e corações inflamados pela fé, centenas de fiéis percorrem as ruas do Centro de Cuiabá, em uma procissão devota ao padroeiro da cidade, o Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Esta manifestação de fé, marcada pela tradição e pelo ardor popular, é um legado que atravessa três séculos e que ainda perdura com força nos dias atuais, inspirando, inclusive, a nomeação de diversos bairros da cidade.
A religiosidade cuiabana, profundamente enraizada na cultura local, continua a orientar o espírito comunitário e a dar identidade ao território, como demonstram bairros como São Benedito, São Thomé, São Matheus, Santa Amália, Santa Isabel e Santa Helena. Todos esses nomes carregam a marca da devoção àqueles santos que, para os moradores, representam proteção e intercessão divina, reflexo de uma forte influência católica que permeia as gerações.
No entanto, nem todos os nomes dos bairros cuiabanos evocam figuras santas ou bênçãos divinas. Alguns carregam consigo um passado sombrio, impregnado de sofrimento, luto e mistério. A Cruzinha, ou Cruz Preta, por exemplo, remete a uma época de temor e aflição, enquanto o bairro Boa Morte ecoa a dor e a despedida de tempos sombrios. Da mesma forma, o nome Cai-Cai remonta ao trágico surto de varíola — a “bexiguinha” — que, durante a Guerra do Paraguai, dizimou muitos cuiabanos, com a epidemia trazida pelos prisioneiros da Retomada de Corumbá. Essas doenças ceifaram inúmeras vidas, deixando um rastro de sofrimento e desolação. Embora muitos desses nomes tenham sido substituídos por outros mais amenos, as sombras desse passado doloroso continuam a pairar sobre a cidade, como uma memória que, embora suavizada, jamais se apaga completamente.
Essas denominações, que misturam fé, sofrimento e superação, fazem parte do legado histórico de Cuiabá e continuam a moldar sua identidade, lembrando-nos das vicissitudes que marcaram o passado da cidade e da força de seus habitantes diante das adversidades. Embora as novas gerações possam desconhecer o peso original de alguns desses nomes, a memória coletiva da cidade ainda preserva o eco desses tempos, lembrando-nos de que, por trás de cada nome de bairro, há uma história profunda e significativa, marcada por lutas, devoções e, acima de tudo, pela resistência da fé e da vida cuiabanas.