A violência contra a mulher, além de ser uma questão política, cultural, policial e jurídica, é também, um caso de saúde pública, pois, muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência vivenciadas em seu próprio lar, em decorrência dos maus tratos recebidos, quer por meio de atos físicos visíveis ou, por pressão psicológica velada, muitas vezes inaudível, pelos seus filhos, parentes, amigos e autoridades.
A ligação entre a violência praticada contra a mulher e a sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente, embora a maioria delas não relate que viveu ou vive em situação de violência doméstica. Por isso é extremamente importante que os/as profissionais de saúde sejam treinadas/os para identificar, atender e tratar as pacientes que se apresentam com sintomas que podem estar relacionados a abuso e agressão.
Hoje, percebo que, essa “privacidade” da violência contra a mulher, que na maioria das vezes ocorre no interior do lar, só é tornada pública quando se transforma em caso de polícia ou, por meio dos veículos de comunicação.
Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Para elas é difícil dar um basta naquela situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E, ainda, tem também aquela ideia do “ruim com ele, pior sem ele”.
Segundo a estudiosa Bárbara Musumeci Soares, em seu livro “Mulheres Invisíveis” (1999), o investimento feito, nos últimos anos, pelo governo dos Estados Unidos e do Brasil, para enfrentamento sobre a violência contra a mulher, em dados demonstrados até o ano de 1994 é de 1,6 bilhões de dólares para fazer face, em seis anos, aos crimes violentos contra mulheres e crianças; autorizou a distribuição de 325 milhões de dólares para criação e manutenção de abrigos para mulheres; 205 milhões de dólares para programas educativos e a prevenção de estupros; 10 milhões de dólares para organizações sem fins lucrativos que estabeleçam programas comunitários de prevenção e intervenção; 400 milhões de dólares para a criação de programas de violência doméstica para jovens; 2,5 milhões de dólares para aumentar a segurança nos parques, especialmente nas áreas de maior incidência.
Para a pesquisadora Vera Bartolini, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no Brasil as Delegacias de Defesa da Mulher foram criadas na segunda metade década de 1980 e, tinham como objetivo oferecer às mulheres vítimas de violência o tratamento digno e respeitoso que elas raramente recebiam nas delegacias distritais comuns, onde o atendimento tradicional, oferecido pelos policiais, se assemelhava, com frequência, aos próprios atos que haviam motivado a queixa. Nas Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, as mulheres encontrariam não apenas um tratamento melhor, mas, também, um atendimento especializado, por parte de uma instituição especializada.
Em Cuiabá, no governo Júlio Campos, em 1985 foi criado a Delegacia de Defesa da Mulher com o objetivo de defender a mulher em suas diversas violências sofrida no cotidiano da sua vida.
No ideário do movimento feminista, a criação da Delegacia da Mulher seria um espaço, acima de tudo, de acolhimento à mulher agredida. Ali, uma equipe com profissionais capacitadas deveria ouvi-la, orientá-la, encaminhá-la, enfim protegê-la. Não é o que vivenciamos hoje.
Avanço importante nessa área foi dado com a Lei Maria da Penha sancionada em 07 de agosto de 2006. Dentre as várias mudanças promovidas pela lei está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006.
A realidade de quase duas décadas evidencia que a mulher não deve ser vista apenas como uma “vítima” da violência que foi provocada contra ela, mas como elemento integrante de uma relação com o agressor onde ocorre em um contexto bastante complexo, que às vezes se transforma em uma espécie de jogo em que a “vítima” passa a ser “cúmplice”.
O último relatório sobre o Peso Mundial da Violência Armada, segundo a Geneva Declaration Secretariat. Global Burden of Armed Violence 2011. Lethal Encounters. Suíça, 2011, o qual dedica o quarto capítulo ao tema, sob o título Quando a vítima é uma mulher, arrolando e analisando dados internacionais conclui que: Os feminicídios geralmente acontecem na esfera doméstica, onde verificamos que, em 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência, a agressão aconteceu na residência da vítima. Em pouco menos da metade dos casos, o perpetrador é o parceiro – ou ex-parceiro – da mulher.
Ainda, segundo o relato foi possível verificar que 42,5% do total de agressões contra a mulher enqua¬dram-se nessa situação. Mais ainda, se tomarmos a faixa dos 20 aos 49 anos, na qual acima de 65% das agressões tiveram autoria do parceiro ou do ex. Se compartilharmos muitas das características das agressões contra as mulheres que encontramos em outros países do mundo, nossa situação apresenta diversos sinais que evidenciam a complexidade do problema nacional: Entre os 80 países do mundo dos quais conseguimos dados a partir do sistema de estatísticas da OMS, o Brasil, com sua taxa de 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres, ocupa a 7ª colocação, como um dos países de elevados níveis de feminicídio.
Como aponta o relatório acima mencionado, altos níveis de feminicídio frequentemente vão acompanhados de elevados níveis de tolerância da violência contra as mulheres e, em alguns casos, são o resultado de dita tolerância. Se no ano seguinte à promulgação da lei Maria da Penha – em setembro de 2006 – tanto o número quanto as taxas de homicídio de mulheres apresentaram uma visível queda, já a partir de 2008 a espiral de violência retoma os patamares anteriores, indicando claramente que nossas políticas ainda são insuficientes para reverter a situação.
Não nos cabe dúvidas de que a elaboração de estratégias mais efetivas de prevenção e redução dessa violência contra a mulher vai depender da disponibilidade de dados confiáveis e válidos das condições e circunstâncias de produção dessas agressões. É nesse sentido que deveremos continuar elaborando nossos estudos, como subsídio às diversas instituições que atendem ao problema, conclui o relato.