O rádio acabou se tornando o seu símbolo. Onde ele ia o rádio ia junto. Ele morreu, o rádio estava na sua cabeceira. Os filhos todos cobiçaram o velho rádio, que acabou nas mãos da filha mais velha, como herança.
Recentemente, já em Mato Grosso soube do caso de uma senhora que também ficou viúva em Barra do Garças. Mudou-se para a casa do filho em Cuiabá, onde desembarcou com uma mala numa mão e o rádio na outra. E o rádio, que fora do marido e agora era dela, ninguém tocava porque seu valor transcendia à herança material.
São dois exemplos ricos de força humana que conheci, mas que se somam a milhares de outros envolvendo esse personagem mitológico na vida brasileira. Foi no pé do rádio de bateria, lá pelos anos 40, 50 e 60, que o Brasil desfilou para os brasileiros. Na voz poderosa dos locutores foram noticiados todos os grandes fatos ao longo de mais de 30 anos, como no famoso Repórter Esso.Com absoluta exclusividade. Depois do advento da televisão o rádio perdeu certa força, mas o país se urbanizou e ele se tornou companheiro da solidão dos brasileiros migrados. Agora saudosos da terrinha que um dia deixaram para virem morar na cidade em busca de escola para os filhos, de saúde e mais conforto, se ligavam na companhia do rádio.
Mato Grosso quando experimentou a abertura das colonizações no norte teve ra da solidão das uma aliada e companheira da solidão das matas calorentas e infestadas de mosquitos: a Rádio Nacional da Amazônia. Tocando músicas bregas, mas recheadas de novelas ricas em dramas humanos e recados de todo o país, endereçados a todo o país, ela apoiou aqueles pioneiros perdidos no ermo. Depois vieram emissoras de rádio em Alta Floresta, em Sinop com a pioneiraRádio Celeste ambiciosa e inovadora, a Rádio Educadora, de Colíder, nas mãos de dona Nelma, cujo marido Luis implantou a emissora mas não ouviu a primeira transmissão, levado pela morte.
Hoje o Estado inteiro está coberto por 46 emissoras de rádio. Os exemplos de meu avô e da viúva citados multiplicam-se aos milhares em torno dessa mídia extraordinariamente humana.
Estou lembrando tudo isso diante da necessidade de se utilizar e de reforçar o rádio como integração do Estado. E dentro disso, criar uma linguagem única para um Estado formado por tantas ilhas culturais depois de 1973.
No ano que passou a Secretaria de Comunicação Social do governo estadual conseguiu formar uma rede de rádio envolvendo todas as emissoras do Estado num programa diário chamadoMato Grosso Verdade. Foram 15 minutos diários que trataram da cultura, da música e da ação político-administrativas do governo estadual, durante seis meses.
O programa obteve resultados impressionantes. A tal ponto que se cogita agora em substituí-lo por uma nova iniciativa que talvez venha a se chamar Rádio Mato Grosso. Seria uma programação diária com duração de 15 minutos, dentro da qual se ensinaria desde um chá caseiro até a discussão de problemas estaduais ou municipais. Depoimentos históricos de pioneiros, de figuras humanas típicas do Estado desfilariam nesse programa, aplainando tantas diferenças sociológicas, urbanas, regionais e políticas deste gigantesco Mato Grosso.
Tomei conhecimento da idéia em conversa com o secretário Paulo Leite nesta semana e me tomei de entusiasmo pela idéia. Tive minha formação muito ligado ao rádio, no interior. Todas as vezes que de alguma forma defendo a idéia do rádio como o veículo de mais livre abrangência e cobertura, lembro-me do meu velho avô Zezinho Santana com seu radinho Philips debaixo do braço, ouvindo solenemente os “caipiras”, ou acertando o seu velho relógio Omega de bolso pelo relógio atômico da Rádio Relógio, do Rio de Janeiro.
A iniciativa da Secretaria de Comunicação Social do governo abre um horizonte novo, moderno e inteligente nessa tarefa de comunicação que se tornou o mais importante instrumento para se governar na atualidade.
Quanto mais informação se possuir, tanto maior será o acerto e tanto maior e mais democrático será o exercício do poder.
É uma boa notícia para se começar 1992. É uma boa chance para eu me lembrar do querido avô que morreu em 1977, e do seu radinho de pilha, companheiro na solidão de sua viuvez.