Rio Cuiabá: feliz ou infeliz?

Profunda fascinação pelo elemento água e sua implicação em nossas vidas sempre nos empurrou em direção ao desafio de tentar relacionar a sua importância histórica na construção da cidade de Cuiabá, como signo estruturador e suas relações com os diversos ambientes que fazem parte dela.

De fonte de sustento dos índios Paiaguá ao principal destino do esgoto de uma cidade com aproximadamente 700 mil habitantes, o velho rio e sua saga contam três séculos de invasão, conquista, vida e morte.

Era pelo rio Cuiabá que chegavam os escravos, alimentos, remédios, roupas, novos exploradores, interessados não só nas jazidas de ouro, mas também nas terras férteis da região do rio abaixo. É dele também, que a população sacia a sua sede, mata a sua fome, faz a sua higiene e adquiria as doenças trazidas pelos viajantes.A ação predatória do homem e a consequente reação da natureza têm contribuído ao longo dos anos para aniquilar este precioso meio de transporte, que a incúria dos nossos governantes não tem sabido preservar.

O crescimento das cidades ribeirinhas com a consequente ocupação das suas margens, as praias, os clubes de campo, a exemplo de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio do Leverger, agravam o problema. Símbolo da pureza e da fertilidade em muitas culturas, meio de purificação e regeneração, a água tem presença marcante nos registros realizados ao longo da história da humanidade e estão inseridos no imaginário de todos os povos como um elemento de profundas reflexões.

As transformações dos rios Cuiabá, Coxipó e córregos em esgotos abertos são fatores provocados pelo novo organismo urbano, resultando no envenenamento da vida aquática, destruição de alimentos, poluição da água que passa assim, a ser imprópria para banhos e consumo humano. Se o rio é um despejo de líquidos contaminados, a cidade passou a ser um grande depósito de cinzas, ferro enferrujado, lixo, sujeiras e até restos de comidas que trazem insetos e doenças.

O rio Cuiabá feliz – que poucas milhas acima é um belo curso d’água, com árvores a pender sobre as suas margens e franjas de relva verde a delinear as suas barrancas – tem as suas nascentes no município de Rosário Oeste. É inicialmente, formado por dois pequenos cursos de água, o Cuiabá do Bonito e o Cuiabá da Larga, que afloram entre as serras azuis e Cuiabá, numa altitude de 500 metros.

O ponto de união desses dois cursos é denominado Limoeiro, onde o rio passa a ser chamado de Cuiabazinho. Quando recebe as águas do rio Manso, dobra o seu volume, tendo daí em diante o nome de Cuiabá e perde a sua categoria ao passar por entre as cidades de Cuiabá e Várzea Grande, se tornando um rio infeliz.

O rio Cuiabá e seus principais tributários respondem por 90% do total da água destinada ao abastecimento público na bacia, além de suprir a zona rural, o que ocorre de forma difusa ao longo de todo o rio, atendendo fazendas, sítios, servindo para a pesca, lazer e a recepção de efluentes urbanos e industriais. O mesmo rio que garante o sustento de muitas famílias tem a triste função de receber os dejetos produzidos pela sua própria população.

Referendando a necessidade de água boa para beber nos espaços da cidade, a historiadora Maria Adenir Peraro diz que “as cidades deveriam ser dotadas de uma infraestrutura urbana de saneamento para obrigar e, ao mesmo tempo, oferecer meios de levar a população a aceitar os novos hábitos vistos como sinônimo de progresso e de civilização”, onde todos são responsáveis pela preservação do meio em que vivem para que os rios continuem felizes.

Neila Barreto

Neila Barreto

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