por Marianna Marimon
Uma mulher marcante, de pele morena, olhos castanhos, cabelo preto e bem tratado, capaz de silenciar a conversa mais animada apenas com sua presença. Esta era Ana Maria do Couto May, de beleza e medidas impressionantes, bem distribuídas em 1,67 de altura. O corpo escultural estava sempre acompanhado de um sorriso bem aberto e verdadeiro. A inteligência, a espontaneidade a comunicação fácil e a determinação desta ‘Maria’ são características que marcaram para sempre a memória de quem a conheceu. Quase 40 anos depois de uma morte prematura, todos aqueles que tiveram o privilégio de ver Maria do Couto, não esquecem um só detalhe. “Ao lado de Ana Pinheiro e Maria Nazareth, Maria do Couto sacudiu Cuiabá”.
A revolução cuiabana que surgiu na escola
Ana Maria do Couto era considerada uma mulher moderna e avançada já nos anos 40, quando começou a viver os anos mais intensos de sua vida, desenvolvendo diversas atividades. Ela nasceu no dia 13 de setembro de 1925. A determinação e a coragem de uma mulher à frente do seu tempo permitiu que ela abrisse caminho e conquistasse espaços importantes para as mulheres na sociedade. Destaque para as áreas de política, finanças, comunicação, direito e, principalmente, esporte, uma das suas grandes paixões.
Incentivadas por Ana Maria do Couto, as adolescentes cuiabanas já jogavam futebol na década de 40. Os jogos eram realizados no campinho do Colégio Estadual de Mato Grosso, que hoje se chama Escola Estadual Liceu Cuiabano – Maria de Arruda Müller. O gramado ainda hoje cobre o espaço que fica nos fundos do colégio. Foi durante as aulas de educação física da professora Maria do Couto que alunas como Eda Baracat da Silva e Sarita Baracat de Arruda, além de outras amigas de escola da época, aprenderam a jogar e gostar de futebol. As aulas para as meninas e os meninos eram separadas, mas a agitação era total nas atividades femininas. Futebol e atletismo eram modalidades sempre presentes durante as práticas esportivas comandadas pela professora.
O gosto pelo esporte foi determinante na escolha da primeira faculdade. Em 1944 ela se formou em Educação Física, na cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1945 assumiu a vaga de professora da disciplina no Colégio Estadual de Mato Grosso. Entre 1946 e 1948, vários estudantes caminhavam de Várzea Grande a Cuiabá para estudar no colégio onde ela dava aulas. A dedicação da professora despertou a preferência dos estudantes. As aulas de educação física eram diferentes e especiais no Colégio Estadual de Mato Grosso (Liceu Cuiabano).
A primeira mulher a presidir um time de futebol
Ana Maria foi sempre surpreendente. Não se importava para o que todos achavam desta ou daquela atitude, mas com a importância e o espaço que a mulher poderia conquistar na sociedade. O comportamento irreverente permitiu diversas conquistas, até então impossíveis para as mulheres. O esporte a colocou na presidência do clube de futebol Dom Bosco. De acordo com jornalistas, a primeira mulher a ocupar o cargo no Brasil. Com uma mulher no comando, o Dom Bosco se transformou em um dos maiores times do estado. Fora do campo a personalidade dela era notada na administração do clube. Durante o período que esteve na presidência, entre 1969 e 1971, as principais festas de Cuiabá foram realizadas no clube Dom Bosco. “Eram eventos concorridos, frequentados pela elite da capital. Ela estava à frente de tudo, na organização, na recepção. Gostava de acompanhar todos os detalhes pessoalmente”, contou Paulo Zaviaski. May construiu sua casa bem próximo do clube do coração.
Na política
Antes de chegar à presidência ela passou por várias diretorias do clube. O conhecimento para organizar as festas não era apenas teórico, mas sim uma questão de prática. Os 46 anos de vida de ‘May’ foram bem vividos. Assim como a vida, os momentos de lazer também eram intensos. Contrariando o machismo da época, aquela mulher bonita poderia ser vista nos bares mais badalados da capital. Para ela tomar uma cerveja bem gelada de vez em quando não era nenhum pecado. E para animar a roda de amigos um bom jogo de cartas.
O privilégio de namorar com Ana Maria do Couto foi para poucos rapazes. Os homens não estavam ainda adaptados a uma mulher tão forte, capaz de resolver sozinha todo e qualquer problema. Uma mulher de tanta personalidade com uma vida tão agitada assustava. May não se casou e também não teve filhos. Mas ela sempre teve todo o apoio da família, por sinal muito unida. Em grande parte, formados em direito, a família tem tradição na área de segurança. Além de Ana Maria do Couto, grande parte da família tem atuação destacada na segurança pública.
“A liberdade feminina de hoje não pode ser comparada ao momento vivido por May. Ela era inteligente, ousada, firme, determinada, e ao mesmo tempo meiga, sutil, elegante, líder, qualidades raras de serem encontradas em uma única mulher”, explicou Zaviaski.
Cuiabá das festas ao luto
Uma das últimas festas que May organizou e participou foi a comemoração dos 250 anos de Cuiabá, em 1969. O aniversário da capital foi comemorado com um bolo gigante. Apesar de ter nascido em uma família de classe média ela sempre foi muito popular e sempre teve bom relacionamento com as famílias pobres. No dia 8 de abril de 1969 as principais ruas da capital foram tomadas pela multidão a festejar o aniversário de Cuiabá.
Bastante doente, no final de 1970, a vida de Ana Maria do Couto teve um contraste. A mulher sorridente sempre muito determinada se abateu com a dor do câncer. O prazer de viver foi sufocado pelo sofrimento. Ela preferiu o silêncio e o aconchego de casa. Os últimos meses de vida podem ser considerados como um momento de clausura. No dia 17 de outubro de 1971 o corpo não aguentou e Maria do Couto morreu, vítima de câncer.
A capital parou para acompanhar o velório. Amigos, familiares, ex-alunos, colegas de trabalho, todos acompanharam com tristeza o fim de uma vida tão intensa aos 46 anos de idade.
O reconhecimento a mais uma Maria inesquecível na história de Mato Grosso pode ser notado nas homenagens expostas em prédios públicos, praças e escolas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em Cuiabá, por exemplo, a segurança pública deu o nome dela ao presídio feminino. A cidade de Barra do Bugres a homenageou dando o nome de May ao prédio da Promotoria de Justiça e, em Campo Grande (MS), um conjunto habitacional rende homenagens a Ana Maria do Couto.