É preciso fazer uma distinção entre o governante estadista e o político governante. O estadista enxerga o poder como um todo e vê nele a sua responsabilidade em administrar um Estado com todos os seus problemas. E o faz acima de quaisquer interesses. Já o político governante é, antes de mais nada, um escravo do seu partido, dos interesses políticos pessoais, e do partido que o elegeu ou sustenta.
A história recente de Mato Grosso mostra dois exemplos de comportamentos tipicamente estadista. De 1971 a 1975 governou o Estado o advogado José Fragelli, sem militância política anterior, vindo de Campo Grande onde exercia muito mais o papel de pecuarista em Aquidauana do que de político. Ele conseguiu governar acima dos interesses políticos imediatos e dedicou o seu governo ao assessoramento do governo federal na sua intenção de criar o Estado de Mato Grosso do Sul. Realizou obras indistintamente no Sul do Estado e no Norte, mesmo submetido a pressões políticas de lá para que dedicasse seu governo à região, e às pressões daqui para que não atendesse obras no Sul.
Fragelli deixou o governo sem desgastes e fez amigos aqui e lá.
Anos mais tarde, quando de fato a divisão de Mato Grosso se efetivou, outro advogado, este de Corumbá, Cássio Leite de Barros, um típico pantaneiro, da fala macia, sorriso fácil, governou o que poderia ter sido uma grande crise política para os dois Mato Grossos, àquela altura dois Estados diferentes. Aqui, ele convivia com um governo paralelo, do governador indicado para o mandato seguinte, Frederico Campos, angustiado em montar um governo para implantar a divisão a partir de 15/3/79.
De Campo Grande ele recebia pressões políticas para interferir na eleição de lá que seria a primeira e elegeria dois senadores (um era biônico), oito deputados federais e 24 estaduais. Qualquer participação sua implicaria tanto lá como aqui em arranhões graves num quadro político emocional que era a pós-operação da divisão. Havia rancor aqui pela separação do Sul, e lá animosidade contra o poder que sempre esteve em Cuiabá, contra a vontade sulista.
Processaram-se as duas eleições, aqui e lá e o governador-tampão, Cássio Leite de Barros, que geriu Mato Grosso por sete meses saiu a salvo e sua isenção permitiu que os dois Mato Grossos se firmassem politicamente.
Hoje o assunto volta a ser pertinente quando se vê um outro governador ocupando um mandato-tampão, desta vez um médico, Édison de Freitas, num Estado conflitante e politicamente dividido. A maioria dos prefeitos pelo instinto de sobrevivência apóiam a candidatura oposicionista ao PMDB, que está no governo. O governador Edison de Freitas tem em mãos a rara oportunidade de se figurar um estadista e governar os meses que possui sem discriminar e nem escravizar-se ao seu partido. Prefeitos dirigindo cidades falidas, estradas arruinadas, entre outros problemas, precisam de atenção por menor que ela seja. Qualquer discriminação pesa-lhes mais ainda do que já pesa a dura realidade de Estado e de recessão que está aí batendo na porta de todo mundo, inclusive do governo estadual.
Em 1986, os prefeitos do PDS se bandearam para o PMDB e apoiaram a coligação que lhes parecia vencedora, na expectativa de receberem apoio do governo que entraria. O mesmo fenômeno se repete hoje.