Primeiro representante do Fusca em Cuiabá

A história do nosso fusquinha, ou melhor, da Volkswagen em Cuiabá, passa pelas mãos dos italianos Ermette Ricci e Mário George Maria Fava (foto com a esposa Lina Giovanina Maria Cavazza). Nascido em Cesalequio di Reno, Fava veio para o Brasil em 1930, aos 23 anos de idade, atendendo ao chamado de seu cunhado, Ermette Ricci, italiano que também trouxe para a cidade Ivo Razzini. Ivo foi fundador do tradicional Bar Internacional, ponto muito frequentado por jornalistas, escritores, poetas, historiadores e advogados. Funcionava na parte térrea do prédio do antigo IAPC, na avenida Getúlio Vargas. Os cunhados, que haviam firmado sociedade com a criação da Ricci & Fava, mais tarde dissolveram o acordo, ficando Mário com a parte térrea do imóvel, onde instalou casa de peças, ferragens, posto de gasolina, de lavagem e pequena oficina para reparos leves. Antes de sua morte em 1959, Ermette, que era Agente Consular da Itália em Cuiabá, transferiu a representação da Volkswagen para Mário que passou a vender os primeiros veículos por aqui, sendo ele o primeiro representante do Fusca na capital do Estado. Sua agência ficava na Travessa Regis Bittencourt, ao lado do antigo DNER. Mário foi grande empreendedor e articulador. Isso lhe rendeu projeção na sociedade cuiabana, ingressando na Maçonaria, no Rotary Club e na Associação Comercial de Mato Grosso, onde ocupou o cargo de presidente. A Volkswagen, que provém do idioma alemão, significa “CARRO DO POVO”, mas partindo de um apelido criado no Brasil ganhou o nome de fusca.
Deodoro da Fonseca: O casamento histórico em Cuiabá

Em 16 de abril de 1860, Cuiabá foi palco de um marcante evento político e social: o casamento do então capitão Manoel Deodoro da Fonseca, que, décadas depois, proclamaria a República em 15 de novembro de 1889, tornando-se o primeiro presidente republicano do Brasil. A união com Mariana Cecília de Souza Meirelles foi celebrada na Paróquia da Sé do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em uma cerimônia que contou com a presença de ilustres personalidades, como o presidente da Província de Mato Grosso, Antônio Pedro de Alencastro, e o bispo diocesano dom José Antônio dos Reis. Natural de Lagoa do Sul (AL), Deodoro tinha 33 anos, enquanto Mariana, nascida em Barra Mansa (RJ), contava 34. Conhecidos carinhosamente como Maneco e Marianinha, o casal se conheceu em 1860, oficializando o romance poucos meses depois. Após o casamento, Deodoro assumiu o posto de ajudante de ordem de Alencastro. Em 1862, mudou-se com a esposa para o Rio de Janeiro, mas a Guerra do Paraguai, em 1864, levou Deodoro e seus sete irmãos ao conflito, enquanto Mariana permaneceu com as cunhadas. O marechal faleceu em 1892 e Mariana em 1905, ambos em Barra Mansa. O jornal Diário de Cuiabá homenageou-a como a “primeiríssima-dama do Brasil”, destacando a importância de sua ligação com Cuiabá em um capítulo tão relevante da história nacional.
Prédio da loja Riachuelo da ‘Getúlio’ foi hotel

O edifício que um dia abrigou o icônico Hotel Centro América foi demolido em 1990, levando consigo um pedaço significativo da história de Cuiabá. De estilo arquitetônico clássico, inspirado nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, o prédio era mais que uma construção; era um símbolo da memória urbana, tendo servido inicialmente como residência de Dom José Antônio dos Reis, bispo de Cuiabá. Em 1914, o edifício se transformou no Hotel Universal, administrado pela família de Felipe Jorge. Anos mais tarde, foi renomeado como Hotel Esplanada, período em que recebeu hóspedes ilustres, incluindo o renomado escritor Monteiro Lobato. Com o fechamento do Esplanada em 1954, o prédio passou por uma grande adaptação para acolher a sede do Partido Social Democrático (PSD) antes de se tornar o Centro América Hotel, sob a administração da família Affi. Hoje, o local que já foi palco de tanta história e elegância abriga as instalações de uma loja da rede Riachuelo, marcando a transformação do espaço ao longo das décadas, mas deixando saudades de sua época de ouro.
A Cacimba da antiga Praça Santa Rita: Água, histórias e memórias

No início do século XX, o abastecimento de água em Cuiabá seguia os costumes de muitas cidades brasileiras da época, dependendo de poços escavados nas residências e de fontes naturais, como córregos e cacimbas. Uma dessas fontes, situada onde hoje está a Praça Rachid Jaudy (antiga Praça Santa Rita), tornou-se uma das mais conhecidas da cidade. Reza a história que a bica, de água fresca e abundante, era parada obrigatória para os recrutas do 16º Batalhão de Caçadores do Exército. Após deixarem o quartel, localizado próximo à atual Praça 8 de Abril, muitos soldados utilizavam a bica para se refrescar, lavar-se e saciar a sede. A popularidade do local entre os militares acabou batizando-o como “Cacimba do Soldado.” A fonte era alimentada por uma nascente que também abastecia o córrego Cruz das Almas, cuja canalização até a Avenida da Prainha ocorreu em 1909, durante as obras de construção da Avenida Generoso Ponce. Com essas mudanças urbanas, a emblemática Cacimba do Soldado deixou de existir, permanecendo apenas na memória histórica da cidade. A praça que hoje ocupa o espaço da antiga cacimba é um verdadeiro marco histórico, guardando em seu solo a memória de um passado próspero, entrelaçado com o legado das famílias sírio-libanesas que ali se estabeleceram, como a de José Rachid Jaudy, comerciante de destaque cujo nome eterniza o local. O que antes era um ponto de encontro de soldados e transeuntes, transformou-se em um símbolo pulsante de uma Cuiabá que continua viva na memória de todos que nela viveram.
A fundação do Liceu Cuiabano: Um marco na Educação

Era 7 de março de 1880 quando, em uma solenidade marcada pela presença das principais autoridades da província, foi oficialmente instalado o Liceu Cuiabano, um marco no ensino público de Mato Grosso. A cerimônia, conduzida pelo presidente da província, Eneas Galvão, contou com a participação de figuras de destaque como o barão de Maracaju, o bispo dom Luis d’Amour e o diretor geral da instrução pública, doutor Dormevil José dos Santos Malhado. A inauguração, realizada no edifício destinado ao liceu, simbolizava um grande avanço na educação da capital, e uma carta formal foi redigida para registrar o evento. A mensagem do governador aos deputados ressaltou a importância do Liceu, um estabelecimento que oferecia dois cursos fundamentais. O curso normal, voltado à formação de professores primários, abordava gramática, filosofia, literatura, pedagogia, matemática, geografia e história do Brasil. Já o curso de línguas e ciências preparatórias, mais abrangente, oferecia além das disciplinas do curso normal, latim, francês, inglês, filosofia racional e moral, retórica e história universal, preparando os estudantes para o ingresso nos cursos superiores do país. O Liceu Cuiabano não apenas representava uma grande conquista para o ensino na província, mas também quebrava uma barreira que impedia as famílias de menores recursos de proporcionarem uma educação mais qualificada a seus filhos. O liceu se tornava uma oportunidade única para os jovens de Cuiabá se prepararem para o magistério ou avançarem para os estudos superiores, marcando uma nova era no desenvolvimento educacional de Mato Grosso.
Túnel existente na Igreja Bom Despacho. Verdade ou Mentira?

Entre os muitos casarios antigos, largos e marcos históricos de Cuiabá, destaca-se a imponente Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho, cuja construção teve início em 1718 no Morro do Mundeo, hoje conhecido como Morro do Seminário. Esta estrutura, considerada uma réplica da majestosa Catedral de Notre Dame, em Paris, é envolta em mistérios e lendas que atravessam séculos, consolidando sua posição como um dos monumentos mais enigmáticos da cidade. Um dos relatos mais intrigantes diz respeito à paralisação de suas obras. Conta-se que a construção foi interrompida completamente devido ao receio de que o morro cederia sob o peso da estrutura, causando um deslizamento que soterraria parte do córrego da Prainha, curso d’água que serpenteava por Cuiabá. Embora essa história permaneça sem confirmação, ela reflete o temor e as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros em erguer monumentos de grande porte em terrenos desafiadores. Outro mistério que alimenta o fascínio pela igreja é a suposta existência de um túnel secreto, cuja entrada estaria oculta no interior do edifício. Segundo a tradição, este canal subterrâneo se estenderia por aproximadamente 80 metros, desembocando no córrego da Prainha. Este túnel teria desempenhado um papel crucial durante o conturbado período político do início do século XX. Reza a lenda que o então presidente de Mato Grosso, Totó Paes, procurou refúgio na igreja durante um cerco militar. Protegido pela amizade com os religiosos, Totó teria utilizado o túnel para escapar de seus perseguidores, desaparecendo momentaneamente da vista de seus inimigos. No entanto, seu destino trágico foi selado posteriormente, em 1920, quando foi assassinado na região do Coxipó do Ouro. Essas histórias, verdadeiras ou não, fazem da Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho um lugar onde a história e o imaginário popular se entrelaçam, conferindo-lhe um status quase mítico. O mistério que envolve sua construção e os relatos de segredos subterrâneos alimentam a curiosidade e o encantamento de todos que se aproximam deste fascinante símbolo de fé e resistência.
Açougueiros de ‘ponta de rua’ da antiga Cuiabá

No final do século XIX, o fornecimento de carne para os estabelecimentos cuiabanos era realizado de forma rudimentar, refletindo os desafios de uma cidade em desenvolvimento. Antes da existência de um matadouro oficial, a atividade era marcada por práticas artesanais, conduzidas pelos chamados “açougueiros de ponta de rua”, figuras icônicas que desempenhavam um papel essencial no cotidiano da capital mato-grossense. A formalização desse ofício teve início apenas em 1891, com a inauguração do primeiro matadouro oficial, um marco de progresso liderado pela sociedade Curvo & Irmãos, que unia Sinjão Curvo, Cipriano Curvo e outros familiares. Apesar desse avanço, a comercialização clandestina de carne manteve-se como prática comum, especialmente nos bairros periféricos, onde os próprios açougueiros realizavam o abate dos animais. O método de abate era simples e direto: o gado era primeiramente laçado e arrastado até uma árvore, local onde era abatido, esfolado e esquartejado. As partes resultantes – especialmente os quartos dianteiros e traseiros – eram transportadas para os açougues em carroças improvisadas, revestidas com folhas verdes, que conferiam um toque rústico e uma proteção básica à mercadoria. Entre os açougueiros que marcaram época, destacam-se seo Luiz Soares, cujo açougue e curral localizavam-se no bairro Areão; Zé Demétrio, no Lava-Pés; Seo Marcides, na Caridade; Totozinho, no Campo d’Ourique; e seo Generoso Malheiros, que atuava no movimentado bairro do Porto. Esses nomes tornaram-se sinônimos de qualidade e perseverança em um período de transformações urbanas e sociais. Assim, a história da carne em Cuiabá não é apenas um registro do abastecimento alimentar, mas também um testemunho da engenhosidade e do trabalho árduo de homens que ajudaram a moldar a identidade cultural e econômica da cidade.
O pioneirismo das artes plásticas em Cuiabá

Francisco Xavier de Oliveira, pioneiro da arte em Mato Grosso, é uma figura cujas contribuições são tão significativas quanto misteriosas. Nascido em 1710, chegou a Cuiabá em 1751, a convite do primeiro governador da Capitania de Mato Grosso, dom Antônio Rolim de Moura Tavares, o conde de Azambuja. Durante 34 anos, ele testemunhou e registrou artisticamente o desenvolvimento de uma das regiões mais remotas do Brasil colonial, tornando-se o primeiro artista de que se tem notícia em terras mato-grossenses. Destacou-se como desenhador-cartográfico, profissão que unia ciência e arte em tempos em que mapas eram tão valiosos quanto tratados literários. Sua habilidade se estendia à pintura, especialmente a óleo. É provável que, além de trabalhar como cartógrafo, tenha produzido retratos de capitães-generais, consolidando sua relevância histórica. Embora algumas obras possam ter vindo de Portugal ou Rio de Janeiro, há indícios de que ele tenha retratado governadores até os tempos de Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, reforçando sua importância. Uma de suas notáveis criações, preservada na Casa da Ínsua, em Portugal (em destaque), é “a carta onde se faz ver a corrente dos rios Guaporé e Mamoré” (1774-1775), exemplo de sua precisão técnica e retrato dos desafios de navegação do século XVIII. Xavier viveu em um tempo em que criatividade e conhecimento técnico se entrelaçavam, e seu legado transcende o tempo, registrando a paisagem, história e identidade de Mato Grosso como um espaço de encontro entre cultura e poder.